domingo, 21 de novembro de 2010

Elis Regina - Querelas do Brasil

Muito obrigadA.

Sempre me pareceu estranho o fato de a maior parte das mulheres, ao agradecerem, dizerem "muito obrigado", com "o" no final. Isso porque a nossa língua portuguesa, contestada por ser considerada machista  no entender de muitos - lembro até de um professor de português da época do ensino médio, Jorge, que sempre lembrava a mão dos machos nos ditames do idioma - apresentar uma forma de agradecimento no gênero feminino.

A mesma língua que nos dicionários apresenta em seus verbetes os vocábulos sempre no masculino, tendo este como referencial, proporciona às mulheres a possibilidade de agradecer de maneira única. Pois , então, não caberia nem cabe bem para mim, por exemplo, retribuir com um "muito obrigada" qualquer demonstração ou ato de generosidade ou favor.


Por isso, sem querer aqui ser bastião da língua, que ouçamos mais as mulheres fazerem a sua parte ao agradeerem, numa espécie assim de quase feminismo  estendido ao campo da língua- mas não tão radical, por favor! -, elas tão úncas e caras a nós homens, e que merecem sua distinção.


Izak Dahora   

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Agradeço aqui pela presença de mais seguidores acompanhando alguns dos frutos inquietos da minha ávida imaginação de filho único, artista, romântico, intenso cara que sou - ou tento ser, "A gente é o que sonha", já disse alguma vez um poeta. Comentem, critiquem (elegantemente, claro!), sigam (se for o caso), divulguem (se eu for merecedor!). Abraços carinhosos do Izak Dahora.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Napolitanos


Quando eu era criança não concebia a possibilidade de se gostar de sorvetes napolitanos. Considerava, na minha maquinação inconsciente que agora reconheço, falta de personalidade dedicar-se degustivamente, dentro de uma só vez, a três sabores diferentes - e, naquele meu ver, sabores tão incompatíveis.

Aliás, terá sido mesmo ao sul do país da bota onde surgiu essa heresia tri-sabor?

O sabor baunilha, que no meu limitado repertório de então só podia ser côco, era para mim sem graça, tão apático quanto a sua cor. A seu lado o chocolate, bem o chocolate eu fazia questão de não não gostar porque em toda minha infância eu fui alérgico a certos tipos de alimentos, especialmente os carregados da gordura característica do cacau. Nem preciso dizer que meus pais descobriram a tal alergia por conta do que resultou de mim após uma ingestão irrefreada do material mais ofertado em época de Páscoa na casa de toda vó generosa: comecei a criar caroços por todo o corpo e, além de parecer um E.T., parecia que ia explodir. Tive que aprender a não gostar.

Já o morango, minha fruta predileta da infância, mais até do que in natura e sim recheada nos biscoitos e nas guloseimas envenenadas de aromas e cores artificiais, me fazia revoltado diante já das embalagens dos napolitanos. Não admitia que minha fruta tão dileta dividisse espaço com outras, para mim nem mesmo dignas de papel coadjuvante, e de reles categoria.

E agora, divagando um pouco, penso que jamais poderia torcer para time de escudo tricolor, por exemplo. Minha aversão está originalmente ligada ao meu trauma com aquele sabor de sorvete. Que não era sabor, era sabores. Sorvete mau-caráter, duas caras, digo melhor: três caras! Lembro de quando rompi com a família e me tornei rubro-negro. Deve talvez até tratar-se de alguma predisposição genética (darwinismo) ou de alguma pulsão incosciente (Freud explica!) esse meu par de opção-aversão que começou nos sorvetes e alastrou-se vida afora.

É isso!! Eureca!!! Você pode até não não compreender – mas é como se eu estivesse fazendo uma descoberta terapêutica. Descobri a raiz do meu trauma/repulsa em relação aos objetos tripartidos!!!! Catapultaaaaa!!!! Será que me darei bem com a tecnologia 3D?? Ai meu Deus!!!!

Enfim, é curioso e engraçado, jamais quis ver aquele creme rósea com pedaços da cítrica fruta causando água na boca sem ser em carreira solo. E, no entanto hoje, sou um quase chocólatra como toda pessoa normal e admito um sorvete de côco vez ou outra. Mas os três juntos, nem pensar! Neuras à parte, em época de campanha eleitoral marcada pela hipocrisia e sistema político-partidário de cultural infidelidade, continuo, pelo menos, coerente e fiel aos princípios ideológicos das minhas papilas gustativas. Por isso: "Nada de promiscuidades na hora do sorvete!" ; "Viva o purismo moranguista!" ; "Dia 24 vote no rosa dos morangos"... E por aí eu poderia seguir na minha alucinação anti-napolitana...

P.S.: E pensar que adentrei numa quase teoria sobre tema tão esdrúxulo por conta da leitura que ando fazendo sobre texto do semiólogo e crítico francês Roland Barthes, em que é mencionado o clima de tensão entre as bandeiras ideológicas (preta, vemelha e tricololor) da crise por que passou Paris durante o maio de 68.


(Izak Dahora)

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Projeto de prolixo.

                        à tirania do verbo, do verso e da linguagem

eu quero falar cada vez menos.
eu quero falar mais com menos.
quero falar menos para ouvir os falantes de outras falanges
e satisfazer meu interlocutor de entendimento.
quero dizer tudo com aparentemente nada
eu quero falar menos difícil e ser claro como a água.
eu quero meu monólogo de um modo mais diálogo
menos bife e mais grãos. menos texto mais contexto.
Eu quero eu menos só
                                  lilóquio.


(Izak Dahora)

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Quase. Ou presente imperfeito.

estado de juntas querendo estalar
qual sensação prévia em ver vaso caindo
qual torção da mão sobre o caule da planta partindo

mas não estala
não cai
e nem chega a partir

aflição.

Auto-definição do artista.

E tendo que escrever um trabalho para uma disciplina da faculdade sobre "Por que sou artista?" - o tema mais complexo de escrever que já encarei, pois sou artista porque simplesmente não sei ser de outro modo -, me deparo no jornal (O Globo) de algumas semanas atrás com esta frase-definição de Geraldinho Carneiro, contemporâneo e querido poeta, quanto a si próprio como escritor:

"Sou um velho biscateiro intelectual, vivo rodando bolsinha no calçadão da cultura brasileira. Mas não faço qualquer biscate, não. Sou aquela vadia de bom gosto, metida a besta".

Bem que traduz o turbilhão de facetas que a gente que é artista desdobra para poder viver desse delírio que é a arte e encher nossa barriga. Ele ainda disse na entrevista a Arnaldo Bloch, que como Shakespeare, só escreve por encomenda, para vencer o tédio da repetição - "Shakespeare mesmo, por exemplo, só fez um poema de moto próprio".

Não é o máximo?!


sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Europa de bicicleta.

Semana passada assisti no canal da tv a cabo TCM a Ladrões de Bicicleta, de Vittorio de Sica, filme de 1948. A programação desse canal, aliás, é saboroso cardápio para quem é aficcionado pelos clássicos do cinema. Lá assiste-se aos grandes musicais da Metro, westerns, policiais, dramas, comédias, atores emblemáticos ainda jovens ou que já se foram. Dia desses assisti ao violento e perturbador Taxi Driver, do sempre polêmico Scorsese e com Robert de Niro; noutro, o emblemático Nasce uma estrela, com a eterna ingenuidade, delicadeza e simpatia de Judy Garland.

                                                                         

Mas logo nas sequências iniciais de Ladrões de bicicleta pude constatar a verdadeira fixação que o cinema europeu, sobretudo a filmografia italiana, tem por bicicletas. E por crianças, já que uma coisa puxa a outra. A primeira imagem filmíca na minha mente a dialogar com o filme em questão nem foi tão remota. A vida é bela, com Roberto Benini. Mas logo vieram também Cinema Paradiso e, provavelmente, alguns outros (vários) de Felini que devem ter lá as suas bicicletas ou os seus triciclos em circos, sem falar nos outros muitos "filmes de bicicleta" que abundam nas películas do país cujo formato é uma bota.

Em comum nesses filmes? A ingenuidade, a esperança, a poesia e, por vezes, como em Ladri di biciclette a melancolia e a chaga social que sobe e desce as ruas de pedra da cidade de Roma, cenário clássico com sua arquitetura histórica e atraente (na sua monumentalidade e na sua ruína). No caso deste filme, mais de ruína (social) cuja imagem e cuja estética do neo-realismo italiano, inspirou o mundo cinéfilo da época (no Brasil "fazendo a cabeça" de gente como Glauber e Nelson Pereira), com a proposta de um cinema que abordasse tema e personagens possíveis do cotidiano, do povo, com suas histórias cruas, duras, captadas em cenas de grandes externas, planos gerais, câmera na mão, farta figuração, bem como é movimentada a nossa vida urbana e prosaica.
Nesse filme de De Sica as grandes tomadas características da estética neo-realista são, conforme o seu conceito já rapidamente descrito, equilibradas a uma lente que enquadra em relação com o espaço da cidade, o homem, seu traço de simplicidade e sua vida de gente possível, seu sofrimento.
Trata-se da história de um homem pobre, Ricci, (vivido por Lamberto Maggiorani), desempregado, chefe de família, com mulher e filho, que consegue trabalho como colador de cartaz. Para chegar ao local de serviço e se locomover nos seus afazeres utiliza a bicicleta que, com muito sacrifício, consegue comprar. Todavia, reforçando o dito popular de que "alegria de pobre dura pouco", Ricci, ainda logo no início do novo trabalho, tem sua biciclette roubada enquanto cola os cartazes. Daí, de uma perda aparentemente banal e até jocosa, inicia-se uma busca repleta de pequenas aventuras, equívocos e emoções, rumo àquilo que representa o instrumento do sustento do personaem principal e sua família.

Porém, detalhe: o filme acompanha a história de um homem mas se revela exemplar da história de um espectro bem maior de homens (operários), no seu desamparo pessoal e social, na sua desmoralização progressiva frente à inexistência de recursos e nem escolhas senão a revolta seguida da infração da lei - paroxismo esse da desigualdade social.

Essa história se repete até os dias atuais, está nas ruas para quem quiser ver. Outra curiosidade, pelo menos para mim, é o título do filme que tem o substantivo ladrão no plural (ladri) e reforça o caráter coletivo da dimensão social trágica que se repete na vida de muitos mlihares de homens – milhões, na verdade. Quantos trabalhadores já não se desesperaram a ponto de ceder à tentação de tirar o que é do outro para repor algo que lhe tiraram e o Estado, com seus organismos como a polícia, não se preocupou em resgatar? Isso sem falar em Estados (e o brasileiro é especialista ) que não proveem o cidadão de elementos básicos (educação, segurança, emprego...) cuja carência facilitam igualmente para o mundo do crime e dos "poderes paralelos".

Mas bicicletas por bicicletas, justiça seja feita, a diferença da de De Sica é que, no caso desse seu clássico, o veículo tem importância central. É o "objeto de desejo" dos personagens porque agente da sua sobrevivência.

Há que registrar também, no minha recepção de espectador, a presença do menino Enzo Staiola – esse é o nome do pequeno ator que nos comove com seus olhos grandes claros de criança e que, junto ao pai sentado nas calçadas, muito lembra o Garoto de Chaplin. O menino Enzo emociona como a criança que precocemente já sente a dureza do mundo. O ar de pobres vagabundos dos personagens, aliás, sugere uma singela e inequívoca homenagem do diretor ao grande gênio do cinema Chares Chaplin.

Talvez os filmes seguintes do movimento neorealista não façam da trilha sonora uso tão apelativo ao pólo emocional do espectador como em Ladrões... , mas é possível emocionar-se sinceramente, sem isso ser fruto de chantagismos do diretor. O filme também faz refletir.
Outro traço marcante do filme é o espaço entusiasticamente concedido pelos grandes cineatas italianos aos artistas simples, mambembes, da praça e da graça. O amigo a quem Ricci vai pedir ajuda para encontrar a bicicleta ainda no começo do filme faz parte de uma trupe que ensaia um  novo número. O ator que ensaia e é, ao que parece, dirigido por esse "amigo" é um verdadeiro gaiato entre duas simpáticas mulheres e que diz sempre a mesma palavra, em diferentes entonações mas com a mesma forma antinatural e galhofeira: Gente! , que em italiano quer dizer povo.

De Sica, Felini e outros seus conterrâneos renovaram a linguagem do cinema mas preservando certas tradições e um riquíssimo caldo de cultura produzido no seio italiano: a Commedia dell'arte com seus Arlechinos, Brighelas, Pulcinellas, seus cômicos eternos do cinema como Totó, enfim, muita coisa, muita gente.
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 Talvez essa presença e essa magia das bicicletas já seja uma consciência ecológica maior (pelo menos em relação a nós sul-americanos) por parte do Velho Mundo.
É realmente engraçado, aqui no Brasil não existe a cultura de trafegar de bicicleta. Todos querem automóveis! Andar de bicicleta: um hábito local (europeu), simples, charmoso, poético e saudável que se eterniza na tela do cinema.

 
Izak Dahora


quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Brasil: "Casa grande e senzala" e "Conhece-te a ti mesmo" ou "Torna-te aquilo que és".


Ainda não li Casa Grande e Senzala, livro fundamental na busca de uma compreensão mais próxima da formação da sociedade brasileira. Tenho verdadeiro fascínio pelo tema, mas, com todo respeito a Gilberto Freire, seu autor, seu marco sociológico terá de esperar mais um bocado pois que são muitos os títulos na fila. Já ando até me atrapalhando em ler mais de um livro ao mesmo tempo para conter a ansiedade!

Pois bem, a edição da Feira Literária Internacional de Paraty (FLIP) deste ano "homenageou" Freire e algo que causou bastante frisson e até certo desconforto foi o fato de a obra referência na dissecação histórica da sociedade brasileira ter sofrido críticas declaradas e contundentes.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, sociólogo como Gilberto Freire e autor do prefácio da última edição do livro marco, faz mais restrições que elogios à obra. Critica a ideia tão propagada pelo livro de democracia racial no país que, em sua visão, trata de maneira romanceada a escravidão e a discriminação no Brasil.

Não li o livro, mas digo que, neste aspecto geralmente sabido da obra, concordo.

Não sou próximo das convicçõe ideológicas de Fernando Henrique nem sou seu partidário – sempre estive longe disso -, mas acho saudável intelectualmente a revisão crítica da obra, aliás contrapartida teórica esta que surge de forma mais encorpada já nos anos 50/60, com inspiração marxista e destaque para Florestan Fernandes e os demais intelectuais da Usp, como o próprio Fernando Henrique.

Um título, como Casa Grande e Senzala, é passível de incongruêcias e equívocos como qualquer outro e a análise (e intervenção) periódica e fundamentada sobre o mesmo não o faz menor. Até porque, se somos uma sociedade, estamos em contínua dinâmica que nos permite mudar e, eventualmente, vermos melhor o que antepassados nossos não puderam ver.

Já o escritor e jornalista Luciano Trigo em seu blog Máquina de escrever, do G1, em texto do último dia 4, assimila as críticas de FH, mas procura evocar o lado positivo que há na obra de Freire, retirando-a de um certo radicalismo crítico do ex-presidente na FLIP.
É preciso mesmo ponderar com sensatez o contexto acadêmicamente incipiente (que o próprio FHC chama de ainda pouco objetivo cientificamente dos anos 30 do país no qual Freire esteve). E, ainda assim, o sociólogo pernambucano conseguiu realizar, palavras de Luciano, "uma interpretação pioneira, criativa", elucidativa de questões diversas do Brasil e do brasileiro resultantes dessa condição mestiça da nossa sociedade e que se torna expressão, código cultural singular nosso, apesar da discriminação e do preconceito históricamente conhecido.
Luciano também parece fazer justiça, na minha opinião, ao equilibrar a odiscussão só apimentada por FHC, percebendo Casa Grande e Senzala como mais ambiciosa e abrangente do que apenas o tópico da "democracia racial" que o autor pernambucano enaltece. Há no livro registro de costumes, culinária, comportamento etc que nos disseca. Porém, em mais outra dose de equilíbrio, Luciano afirma que é preciso estar atento à obra de Freire, que apresenta traços conservadores (como a já discorrida negação do racismo na construção social do Brasil), e o apoio do cidadão Freire ao regime militar instaurado em 1964 e a sua aproximação apoteótica com o salazarismo, correspondente ditatorial militar em Portugal, com direito a elogios e homenagens mútuas.

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Minha motivação para este texto surgiu a partir da crônica de Caetano Veloso que tratava exatamente de sua discordância de certas máximas que se tornam "verdadeiras". Como crer em democracia racial no Brasil e em democracia social plena nos EUA. Os americanos são mais avançados na dinâmica democrática, no meu entender, são capazes de eleger um Bush mas depois um Obama, sem problemas. Contudo, se um em cada cem jovens negros é preso, ao passo que a proporção para jovens brancos é de um em cada cem, isto sem adentrar na política tradicional aos imigrantes, de hostilidade, nem tudo são flores por lá.

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Percebo, cá, bem particularmente, sem querer fazer a cabeça de ninguém, que o brasileiro em geral ainda se projeta branco, rico e estrangeiro. Nosso Estado, entre outras medidas históricas, por exemplo, financiou a imigração (com isenções, moradia etc) ocultando sob tal atitude a inadmissão de ver o índio e o negro dentro de uma nova dinâmica social industrial de mobilidade e ascenção, já no século XIX. Investiu-se num "embranquecimento da raça", como dizia o Professor Darcy Ribeiro, e ambos (índio e negro) continuaram sendo vistos, em forma de ranço cultural, como subalternos (morais, intelectuais e religiosos, sem falar na divisão do trabalho e da geografia).
Contudo é importante dizer, antes que me venham tachar de xenófobo, que essa adição estrangeira, na minha opinião, nos caracteriza como civilização tropical mestiça, nosso dna sincero e rico, praticamente único no planeta, e a conquistar por essa mesma mescla posição política e cultural de destaque na geopolítica internacional como já ocorre – e como, antes, já profetizava o saudoso Professor Darcy.

O problema do Brasil é a não aceitação disso, dessa mistura, que é a não aceitação de nós mesmos. Até nas declarações para os sensos, eu percebia a dificuldade que muitos tinham em se auto-declararem de ascendência indígena ou afro. A quantidade de pardos nas pesquisas diante de tanta gente preta bonita nas artérias pulsantes desse país, como Avenida Rio Branco, Paulista etc, soava em mim como o grito de uma realidade que ainda precisamos superar com tempo, informação e amor próprio.

O resultado que vejo dessa trinca desejante (branco, rico, estrangeiro) é, inclusive, a corrupção. O brasileiro é trabalhador e solidário, criativo com, na maior parte das vezes, tão pouco, sem dúvida alguma, mas há um sentimento de jeitinho e impunidade que percorre nossas veias em todas as escalas, de cima para baixo. Aliás, em toda a América Latina. Parece que o brasileiro médio já constatou em que nível de baixaria nossa sociedade foi formada desde tempos cabralinos e então, fatigado de tanto escândalo de Brasília e arredores, dos "homens brancos e de colarinho a la europeia exploradora", acha que deve fazer o mesmo, em outras proporções, é claro. Haja país pra tanto jeitinho!
O resultado é ainda gente votando em determinado candidato em troca da dentuadura para a mãe ou interessado naquele "bendito" cargo de confiança na prefeitura ou no estado, dispensando o processo digno mas "chato" dos concursos. Aliás, quantos concursos fraudados nesse país! Agora tornou-se moda descobrí-los.

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Repito: ainda não li Casa Grande e Senzala. Vou ler. Pertenço a uma geração que convive num tempo de Brasil em que certas máximas (como a do mito da democracia racial contida na obra de Freire) vêm caindo por terra e a partir de críticas que se me apresentam com algum sentido. (A discriminação hoje é até bem mais da ordem da hipocrisia social, a meu ver).

Logo, dentro em pouco, pararei para apreciar mais pormenorizadamente a obra, apreciar seus méritos da observação de nós mesmos e seus possíveis equívocos.



Izak Dahora

sábado, 14 de agosto de 2010

Porque

Escrevo como quem lança um dardo.
Sem certeza nem esperança de acertar alguém.
Só sei que lanço por impulso.
E nesse impulso, sou eu que me voo também.



Izak Dahora

domingo, 8 de agosto de 2010

Meu pai e os livros.




De repente chegava à casa, cruzava a sala, abria a porta do meu quarto e me lançava uma pilha de títulos, com aquele ar docemente superior dos homens maduros e sábios. Podia trazer sob os braços um Aristóteles, um Nietzsche, um Marx ou mesmo a Bíblia, não importava a diversidade espantosa de estilos e crenças naquelas contidas, queria era que seu filho, eu, tivésse acesso irrestrito e contínuo ao vasto mar do conhecimento.
Ao me presentear, trazia também junto a si, no semblante, a satisfação dos que garimpam com prazer nos sebos da cidade títulos tão preciosos. Fez seu papel de entusiasmado e me tornei outro grande ardoroso das letras, modéstia à parte. Tanto, que prefiro sempre dar de lembrança aos amigos, quando das ocasiões de festa, livros. E fico especialmente feliz, confesso, se também os recebo.
Meu pai nunca foi o que se pudésse classificar como intelectual ou grande teórico., mas gostava de divagar e fazer pontes reflexivas com grandes pensadores, adorava o mito da caverna, de Platão.

Discordei muito de várias das suas visões e posições, a mim muitas vezes confusas (a fúria iconoclasta da adolescência me fez vê-lo mais humano e menos idealizado).Mas meu pai , que sempre foi de uma generosidade rara, certas vezes adequava a sua opinião para agradar a quem gostava – e sempre foi mais amigo dos amigos do que seus próprios amigos. Acho que um de seus grandes méritos como pai foi permitir que eu divergisse dele. Quando a maioria dos pais exige que seus filhos torçam para o mesmo time de futebol, papai, tricolor, deixou-me ser Flamengo – e juntos, torcemos muito pelo rubro-negro! Futebol sempre foi um tema gostoso lá em casa...Até os doze anos fui pagão porque assim que nasci, ele achou que eu deveria crescer e decidir quanto a minha crença religiosa. Jamais esboçou qualquer tipo de obstáculo ao meu interesse precoce por ser artista.
Hoje penso que as inúmeras oportunidades que me deu de ser livre só me aproximaram dele – apesar da distância física, toda a Baía de Guanabara, nos últimos anos.

Aproveito a ocasião para uma pequena menção ao meu avô, Manoel, pai de meu pai, e aos meus tios. Meu vô cultivou durante décadas aquelas antigas enciclopédias da Barsa, vermelhas, de capa dura, grandes... No princípio aquelas coleções que recheavam as estantes despertavam-me tanto fascínio na grandeza das páginas e nas miudezas das letras que tinha de lê-las só em momentos de total silêncio, para poderem ser bem assimiladas – acreditava na solenidade e criava todo um ritual para ler. Por isso também, é que passei, de início, tanto tempo contemplando as figuras, de tanto que respeitava aquela fartura de letras e de saber, semi-intocáveis que, logo, passei a saborear como doce nas mãos de criança.
Mas na casa desse meu mesmo avô, havia e há também ainda, a razoável biblioteca da minha tia Ivonete (ostentando quase tudo de Machado, Jorge Amado e outros), uma mulher muito politizada, como os demais tios, e a mais literária de uma casa de uma forte cultura do jornal impresso. Minha paixão pela esquerda, que nem sei se existe hoje mais, foi fustigada e se criou lá, naquele caldo cultural, em meio a muitos jornais, que, por pena da tia, não eram jogados fora.

Por pouco deixo de lembrar dos fins de tarde nos quais meu avô, protestante típico, homem reto e diligente nos afazeres profissionais de veterinário e da religião - que numa época de fortes preconceitos, alfabetizou-se aos dezoito anos e foi protagonista da sua história - me convidava para ler em voz alta trechos da bíblia. Já tentava o velho fazer a minha cabeça, ou melhor, mais do que isso, creio, buscava transmitir-me valores como honestidade, cárater, honra e determinação, importantes em qualquer fomação, independentemente de orientação religiosa ou ceticismo. Porém, não segui no protestantismo.
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Minha relação com a leitura e com o conhecimento foi tão mediada pelo meu pai (e sua família) que, não sei por que, muitas das vezes que adquiri livros, já com o dinheirinho do meu trabalho de ator-mirim, pedi para que ele, meu pai, autografásse e fizésse dedicatória. Meu pai foi meu grande ídolo da infância. Hoje sei que se trata de um ser humano como qualquer outro, tão passível de acertos e falhas como eu ou qualquer pessoa. Mas seu lugar no meu coração será sempre de amor e extrema gratidão, sobretudo pelos valores que me transmitiu – muitos deles através de calhamaços. Através destes, meu pai, sujeito um tanto sisudo  de criação, manifestou diversas provas de afeto e carinho por mim.
Hoje, por força das circunstâncias - quem sai da terra natal para conquistar a vida, entende o que digo - andamos distantes, aliás bem mais do que deveríamos! Mas as lembranças reaquecem nossos elos, que são para a vida toda.


Izak Dahora

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Um instrumento evoluído – desmistificando e desmitificando a mística e o mito.




Para a maior parte das pessoas sou ator e pronto. E, como se pode facilmente perceber aqui, cultivo imenso afeto pelas letras, fascínio pelo conhecimento e grande interesse em transformar o mais legível possível as experiências, as sensações, as ideias.

Contudo é do meu lado músico que venho agora falar. (Sim, sou também apaixonado pelo som, tenho necessidade dessa arte, mas intuo também que é o instinto de sobrevivência dos artistas - eternamente marginais do poder e da conservação-, que me impele a fazer tantas coisas. Afinal de contas, se o artista, para desfrutar de estabilidade, optar entregar-se aos caminhos mais curtos, confortáveis e rentáveis, ele deixará de ser artista ou de estar próximo disso, penso. Artista precisa de liberdade para contribuir com gesto crítico. Por isso, atrevidos, estimulamos tanto nossa sensibilidade e nossas supostas habilidades em instrumentos os mais variados. Enfim, fiz uma digressão um tanto quanto desnecessária.).

Indo ao que interessa, fui elogiado pela dona da escola de música onde (também) trabalho, que disse ser o meu instrumento de ofício (o violino) algo muito difícil e evoluído.
Concordei imediatamente quanto ao primeiro adjetivo. O violino exige verdadeiramente uma correção postural, uma concentração do ouvido, pois diferentemente de outros instrumentos de corda, não possui trastes que indiquem a posição exata de cada dedo, além de uma articulação independente para cada uma das mãos. Um exercício que demanda extrema paciência – admirável quando o violinista é ainda criança, e generosa por parte dos vizinhos do músico, pois até este até acertar a afinação pode ensandecer os ouvidos alheios e os seus próprios com aquela estridente fricção do arco nas cordas.

Porém quanto ao segundo adjetivo, de que a arte do violino trata-se de uma expressão molto evoluída, fiquei um pouco reticente. Sua sonoridade, para mim no telúrico dos graves e no brilho etéreo e escarlate dos agudos é realmente poderosa, chegando a inebriar de paixão e languidez qualquer ouvinte, principalmente se interpretado por um exímio virtuose. (Brecht, dramaturgo alemão do século passado, autor de forte ideologismo marxista que inspirava suas peças de uma densa dialética, buscava a reflexão do espectador, para isso tratou-se logo de "execrecrar" o emocionalismo tenso do instrumento de Stradivarius de suas trilhas musicais antológicas criadas por Kurt Weill, tamanho era o poder dos violinos).
Mas – e creio que não por modéstia – penso que todo instrumento fala íntimo se se é posta alma no seu corpo e se o o seu corpo é prolongamento do corpo de quem o toca. Por isso sigo hesitando em concordar com a patroa da escola.
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É que o violino conquistou posição de destaque dentro da tão suntuosa orquestra – devido aos seus próprios méritos sonoros de expressividade e eloquência de uma dicção que se estica da semelhança com a voz humana até às raias do lúdico - que tornou-seuma espécie de figura intocável, endeusada, com reputação e mesmo veleidade de grande estrela. Minha mãe sempre me conta de uma propaganda de sua época de garota em que os instrumentos da orquestra, ganhavam vida e discutiam. O violino era o mais empertigado, metido mesmo. Uma imagem que se tornou estereótipo dos violinos e dos próprios violinistas. Da imagem calada e concentrada, típica de músico de qualquer naipe, parece que ser violino/violinista é sinônimo primeiro de alguém kafkianamente lúgubre, triste, e quando mais, sistematicamente austera e pomposa. Tudo bem, minha primeira professora, Noemi, mantinha um tanto de todas essas qualidades, apesar de permancer doce generala na minha memória.

E pareceu também, ao longo da História, que a música dita erudita – e que creio que é erudita, sim, não contra ninguém, mas a favor de sua própria densidade e complexidade técnica – não poderia se imiscuir a outros elementos criadores de som. O que acho uma bobagem sem tamanho, preconceito tacanho. Experiências do "clássico" com o "pop" e o "rock" e o "funk", por exemplo, já foram mais que refeitas e o resultado foi... lindo. Lembro agora de um clip do Marcelo D2 que vi de relance uma vez na MTV e era interessantíssimo: uma "batida perfeita"!

O preconceito ainda existe como ranço na "comunidade erudita" mas também nas demais "tribos", é preciso dizer. E semi-parafraseando Villa-Lobos e Tom Jobim, meus gurus, no fundo mesmo não existe fronteira entre erudito e popular, existe música. Ou músicas, em que algumas composições correspondem a tendências mercadológicas de momento e outras ficam, podendo ser de Cartola ou de Paganini.

Mas, voltando à minha patroa lá da escola de música, saí mesmo pelo humor quanto ao elogioso "evoluído" com que ela classificou e qualificou violinos e violinistas. Pontifiquei na irreverência quando chamou ambos de elite – aí então que gozei mesmo:

-Ah, somos, então, como que uma seita, permitida somente aos iniciados no topo das pirâmides? - devolvi e aceitei o elogio fazendo pilhéria.


E talvez sejamos mesmo, pois não somos muitos. Ao contrário, somos poucos e trancadinhos nos quartos, tentando ajustar aquele dedo da mão esquerda sobre o "espelho" do violino, que, relapso, foge à marca da afinação, com uma paciência e uma dedicação quase monástica, sacerdotal.

Refuto o ar de estrelismo de qualquer coisa que faça, pois tenho a convicção de que em arte só nos aproximamos do âmago pela via da simplicidade, mas, técnica e apaixonadamente, reconheço , em satisfação incontida, que a partitura clássica na figura imediata do violino é, para mim, como texto de Shakespeare, outra paixão artística minha: por vezes com aparência de um rigor ultrapassado e excessivo mas que proporciona com propriedade - e singularidade - uma vivência humana e uma elasticidade técnica fantástica digna de qualquer experiência estética seguinte.

Obs.: Essa da imagem acima que precede a crônica, é Hilary Hanh, exímia violinista que esteve no Brasil no ano passado, uma das melhores da atualidade, a quem assisti em concerto na Sala Cecília Meireles, no Rio.


Izak Dahora

terça-feira, 27 de julho de 2010

Ainda sobre a saudade...


... (a voz embarga)   ...


"Certos mitos são efêmeros". Me auto-refiro pois com essa frase inicio um poema (postado no último dia 8) que nasceu de um estranho sentimento de vazio que me acompanha há muito, e que está longe de ser uma exclusividade minha. Quem não sente a lacuna da ausência em vida de alguém que nos marca? No caso dos grandes artistas, escritores ou personalidades, talvez isso seja até mais forte, porque embora não compartilhemos com esses mitos o sangue, esses se tornam íntimos pela forma como marcam as nossas vidas através do seu pensamento, da sua visão, do seu gesto.
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Trabalhar na minha mente a saudade de artistas – muitos dos quais partiram antes mesmo de eu vir ao mundo – me surpreende a cada vez que penso no assunto e me intriga. Como resolver a falta que uma Elis Regina desperta, insuperável na força e no brilho de sua voz? Como manter o tom ante a arquitetura simples e sofisticada da música de Antonio Carlos Jobim? Ou ante Gonzaguinha, contundente e de uma integridade humana ímpar?
Outros muitos que não vivi seus tempos e ainda assim me formam como ser humano e artista: Vianinha (que um dia o veterano e querido Flávio Migliaccio me disse que o dramaturgo, seu grande colega dos tempos de CPC e Teatro de Arena, parecia tanto saber que iria morrer cedo, que por isso trabalhava ardorosamente por um país melhor através do teatro); ou  o próprio vulto de Cacilda Becker, que atou no palco entregando a vida por uma expressão profundamente humana das personagens e fora do mesmo pela modernização do nosso teatro, naqueles anos quarenta e cinquenta ainda demasiado amador. Cacilda, após enfarte, morreu praticamente no palco "Esperando Godot", sua última peça. Dedicação extrema que Paulo Autran também comprovou a vida inteira, desfechando-a quando saiu do palco direto para o hospital e lá durar uns poucos meses antes de morrer.

E Oscarito, e Grande Otelo, tantos...e ao mesmo tempo tão poucos...
Volta e meia me pergunto: como encarar uma corrida automobilística hoje sem evocar Ayrton Sena, que me reporta à primeira infância quando o assistia correndo pela tv ao mesmo tempo que comia geleia de mocotó com farinha láctea nas manhãs de domingo? A morte de Ayrton é emblema de como essas figuras normalmente saem de nossas vidas subitamente, ou mesmo fatidicamente.

Mas no fundo penso que esses mitos não poderiam (nem podem) viver muito. É muita carga emcocional, intensidade de paixão... Imaginemos um Vinícius (de Moraes) hoje com cem anos de idade, sem poder sair de cama a contemplar as garotas de Ipanema, a amizade, a boemia e a vida que expressou tão bem em verso e canção? Seria até injusto! Por isso intuo, cá, auxiliado pelo meu lado que respira o mistéirio das coisas, "invisível mas presente" que todos esses que citei e todos os outros de que você lembra agora ao ler esse texto são como seres de um outro planeta, uma outra galáxia talvez, que vem aqui nos deixar alguns recadinhos importantes e partem de volta para onde vieram ou para onde não sei. Mas o legado deixado pelos que vivem a vida intensamente fica e inspira.  
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O mito é tão grande que nos lembra que também nele há o frágil, o breve:

O mytho é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mytho brilhante e mudo - 
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.
...
                    (Fernando Pessoa)


Izak Dahora

segunda-feira, 19 de julho de 2010

A cinergética do mito

Certos mitos são efêmeros.
Passam por nós com a fugacidade de um cometa,
vivem como que dez anos a mil
e deixam a todos na mais vasta orfandade:
todos uma legião de séquios
a chamar Humanidade.

Mas para isso – a falta
dotou Deus o homem da memória
para a contemplação eterna do grande,
para a saudade desmesurada e infinita
de mesmo quem ao mito não assistiu.

Seres que elevam a alma do mundo.
Seres que numa encruzilhada de entantos e entretantos,
desvelam suas vidas em entreatos
meros hiatos que o Destino, tirano e trágico,
traga para um fundo silencioso
e opaco de mistério.


E para o cumprimento da tarefa hostil
que é, por vezes, viver,
restou a fé
– paz exclusiva aos de corações desarmados,
estranha e mágica energia de crer 
na força desses Invisíveis presentes.


Izak Dahora – 04/07.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Olho gordo

Danaram-se todas as sortes:
- Dei mal jeito no pé direito!

Não me valeram os búzios e os astros
mantras, mães-de-santo, cartomantes,
ou o horóscopo que lera pela manhã.

Fui à rua e dei uma topada naquela pedra de Drummond:
enquisilada, fundamental e mesma no meio do meu caminho.

E quiçá mais incômoda que a própria topada,
sua arte bruta de gerar perguntas, refinada,
fez-me indagar como, quando e por que.

Remover os sedimentos do enigma,
grão de mistério, monolito – a tarefa!
- O que me moveu, e interrompeu, hoje
foram trabalhos e mandingas de contrários!

Ou não
quem sabe antes conspiração de um ser-razão
a fazer-me repensar a vida no giro de um segundo
a fazer-me ser mais leve, enxergar a vida, simples.

uma pedra
e nada mais.



Izak Dahora

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A eliminação da seleção e uma modesta reflexão – o que, de repente, pode servir de aprendizado.




Por ser daqueles que partilham da opinião de que resultado de jogo não muito se deve discutir - este se impõem unindo competência e certa dose de sorte do vencedor – digo que não devemos lamentar a derrota da nossa seleção frente à Holanda na sexta-feira passada. E digo também que esta é a minha segunda e última crônica sobre a atual edição da Copa do Mundo. Caso eu me auto-desminta, encantado pelo espetáculo possível uma renovada e consistente  taticamente Alemanha ou de uma Espanha refinada no seu toque de bola e outros, por favor não me leve a mal, sou uma "metamorfose ambulante".

Mas não devemos lamentar a derrota até porque – e este até porque é que é o motivo desta crônica – nosso time sempre dera indícios de limitação técnica. Penso que o problema da Era Dunga foi ter-se valido e respaldado na máxima de que "em time que está ganhando não se mexe". E, talvez, não se mexa mesmo! Contudo, ficou mais do que provado que nem sempre resultado e números positivos são acompanhados de qualidade e persuasão. Pois nosso time em todas as eliminatórias – para não ir muito longe – em, exceto as partidas contra a grande rival Argentina, jamais fez o que se pode chamar de apresentação convincente do primeiro ao último minuto de partida.

Sempre aquela aplicação defensiva – que para mim disfarçava um imenso medo de perder -, aquele jogo amarrado que por vezes atingia o nível do violento avalizado pelo treinador (todos viram os seus rompantes na última partida junto aos de um grupo nervoso e de um certo volante expulso cravando as travas da chuteira no adversário). Enfim, um tipo de jogo brucutu que venceu Copa América e Copa das Confederações, mas a primeira, como seu nome já diz, é apenas um microcosmo de Copa, e a segunda não conta com todos os craques, que fazem charminho e são pressionados a servirem os clubes, os quais, aliás, pagam os seus salários e o leite das crianças. Por causa dessas vitórias jamais comparáveis a uma Copa do Mundo, o time do Dunga (dele mesmo, pois reflexo de uma visão fechada e não-consensual, como pede o cargo) ganhou a pecha de "competitivo". Bastou enfrentar a Holanda para vermos o nível de competitividade de uma equipe que durante as eliminatórias empatou três vezes em casa e por zero a zero, para times como o da Bolívia, que nem foi para o mundial.

Enfim, não acho que seja certo agora procurar culpados, até porque culpar alguém é muito feio e nada ético - como me ensinou uma vez minha mãezinha. Por isso acho que a falha de Júlio César (o melhor do mundo na posição golpeado pelo destinoso erro que um dia aparece para todos nós) e as botinadas de Felipe Melo e cia devem ser relevadas. Era o que tínhamos e eles deram o sangue. O que nos prejudicou mesmo foi, de fato, uma visão centralizadora e que radicalizou ao exagerar em "comprometimento" (termo-chave usado pelo já ex-treinador) a fim de não repetirmos o (outro) fracasso de 2006, quando houve imenso oba oba e desleixo de jogadores e comissão técnica em reuniões festivas demasiado animadas na concentração.

Dunga pode discordar de mim, mas creio que o que faltou foi aquela destreza de um Messi ou de um Romário de que já falei neste espaço (esta crônica dialoga francamente com a anterior). Schiller, filósofo fundamental do chamado Idealismo alemão (século XVIII) e do romantismo (século XIX), ao invocar a necessidade de uma capacidade criadora/criativa do homem que o individualize e liberte, ideal reforçado pelas consequências da Revolução Francesa, disse que "o homem só é homem quando brinca" (ou quando "joga", aí dependendo do rigor da tradução). E isso é genial porque demonstra que um grupo forte não precisa ser uma corpo militarizado, que faça tudo igual, muito obediente e austero. Ele faz-se também das individualidades, das irreverências, das "maluquices", dos desequilíbrios dos gênios criadores. Senão, torna-se tudo uma massa pasteurizada do mesmo. Este foi o problema, nosso comando não admitiu o diferente, o exatamente diverso de um modelo que o nosso treinador seguiu quando jogador. Dunga foi egoísta. (Embora a meu ver, certos jogadores descompromissados e acima do peso não merecessem mesmo ser convocados).

Perder todo mundo pode perder. Poderíamos ter saído nas mesmas quartas-de-final para o bom time dos "laranjas", mas nosso time foi burocrático e previsível desde a sua estreia contra a Coreia do Norte de quem, com todo respeito, conseguimos sofrer um gol. Confesso que nossas partidas me tiraram o ânimo de torcer e de ter aquele velho otimismo patriota.

O fracasso de nossa seleção serve de exemplo para as nossas vidas. "Esse cara pirou", você deve estar dizendo aí. Mas creio que serve de exemplo, sim. Não como forma de eternizar a figura de Dunga como um carrasco de nós mesmos, mas para que percebamos o jogo da bola (e o jogo da vida) como algo que pede ousadia, exposição ao erro e que ficar na defensiva não parece ser uma boa, para nada, aliás. Se se perder, fazer o quê? Contingência, porém façamos com prazer e risco. (Olha o "futebol-metáfora da vida" da outra crônica de novo!)

Talvez nosso fiasco na Copa da África - aliás, bom foi assistir a este continente dando provas da sua real capacidade de organização, quebrando preconceitos imutáveis, e espiritualmente embebida das forças do pacifismo de Mandela e de sua rica ancestralidade materializada nos decibéis da vuvuzela  - tenha servido para ganharmos essa consciência do riso, além da ciência de que nosso futebol têm decaído sensivelmente nos últimos anos, já não se trata mais de uma estrela solitária no firmamento e que este é mais um vexame a somar-se às copas de 98 e de 2006. Serve para ficar atento e não se iludir demais também! Dito isso, um jogo é apenas um jogo – um dia se vence e outro dia se perde. 

Voltemos às nossas rotinas! Ano eleitoral. E chega de feriado!




Izak Dahora

terça-feira, 29 de junho de 2010

Notas dos momentos antes de um jogo de Copa. // Bajulando uma paixão nacional.



Vesti-me de verde e amarelo (e também de azul e branco na consciência, as quais também colorem a bandeira pátria) e acorri pelas ruas para exibir o entusiasmo de ser brasileiro e o otimismo frente à partida de algumas horas depois. Não resisti, o corpo e os sentidos foram tomados pela vontade de torcer.
Era ainda manhã e fui trabalhar, mas já a caráter para torcer pelo "time do Dunga", que, não obstante algumas divergências conceituais futebolísticas, representa a paixão de uns 190 milhões de fanáticos e carentes como eu.
A segunda-feira, normalmente um dia ingrato e maldito, quem diria tornou-se marco de um patriotismo atípico aqui abaixo dos trópicos - num ano que é de eleição e as campanhas, aproveitando-se do ensurdecer provocado por cornetas e réplicas das vuvuzelas africanas, já começaram. Alô, alô, Ficha Limpa!!

No fim não poderia haver resultado melhor: Brasil 3 x Chile 0. Rumo às quartas-de-final.

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Penso que é o futebol o esporte que melhor assume a condição de metáfora da experiência humana. Dois exércitos encampados, onze para cada lado, correndo, lutando, suando e com a finalidade-mor de pôr entre as traves a bola, chegando ao "ponto g" do gol, um estado de prazer, ainda que momentâneo, e (por que não?) de felicidade eterna, pois quem não se lembra de um gol ou lance qualquer escondido nos arquivos da memória sempre a despertar o mais infante dos sorrisos?
Mais ou menos assim vivemos, tentando converter em apoteose nossos anseios e ambições no descampado da vida repleto de emoções absurdas e que dura bem mais do que noventa minutos.

Só que o futebol – e nisso assim como as demais modalidades do esporte, sob aquela nobre e pedagógica inspiração grega das olimpíadas – realiza essa luta de modo filosóficamente positivo e fisico-químicamente saudável, porque permite que cada integrante dos times dê vazão aos seus instintos naturais mais brutais e beligerantes, que caracterizam o homem, só que de modo lúdico, quando não simplesmente disciplinado, o que já é um ganho. (Garrincha, Pelé, Maradona, Zidane, Messi e outros são verdadeiros poetas pela destreza e refinamento com que trataram ou tratam a bola, ou então, para reforçar o aspecto de guerra benigna do esporte, autênticos cavaleiros andantes e de sonhos impossíveis, Dom Quixotes dos gramados). É certo que há determinados lutadores que extrapolam esse conceito – ou por maldade ou por deficiência – e acabam transformando em nada amistosas as partidas. Nem vale a pena mencioná-los.

Puxando a sardinha para a paixão futebolística digo que , dentre os esportes, só futebol – invenção da China medieval, concepção moderna da Inglaterra e patrimônio artístico 100% brasileiro – é o que mais se parece com a vida - assim como o meu querido teatro nos seus tablados - pela sorte de formas, emoções e improvisos que se dão nele. Por isso se parece tanto com a vida, pois pode ser belo e trágico ao mesmo tempo. O velho Nelson Rodrigues escreveu bastante sobre essa conjugação misteriosa, que para ele assumia feições emocionais tricolores.

Diferentemente, por exemplo, do vôlei, do tênis e até do basquete (este com uma ginga similar à do soccer), o futebol talvez seja o único em que o pequeno e inferior técnicamente pode derrotar o grande e superior. Não que isto não acontecã nos outros esportes, mas é mais difícil. O campo largo e as variáveis de esforço, tática, emoções e catimbas fazem a diferença.
O futebol, então, torna-se um palco do imponderável. Além de que no futebol não se pontua tanto. Por vezes, basta um time fazer o dito "gol feio" de uma cabeçada dividida a partir de um escanteio e, em seguida, fechar-se na marra e na retranca, parando sempre o jogo com faltas para segurar o resultado de um magro porém suado 1 x 0 ; ou acertar um inusitado e belo chute do meio de campo, aos 45 do segundo tempo, encobrindo o goleiro adiantado e fazer 3 x 2 , aquele placar típico de clássico e levar a partida.

Ah, o futebol!



Izak Dahora

sábado, 26 de junho de 2010

A crônica que eu quis escrever há um ano sobre o Rei do Pop e não escrevi.




Tudo acaba. Fim.

Andam dizendo por aí que Michael Jackson não morreu, assim como o foi com Elvis e alguns outros grandes do mundo pop. Para mim ele se foi, sim, como, aliás, todos nós reles mortais, seres perecíveis neste palco da vida, mas que tentamos ao menos – uns pela via do trabalho determinado, outros pelo da fama inócua - aqueles quinze minutinhos mágicos de atenção, por mais pés-no-chão e tímidos que possamos ser.

Mas para isso há que se ter talento, além de uma boa dose de sorte, claro, aquela estrela que brilha. E aquele garoto, mascote dos The Jackson Five, grupo soul surgido em meados dos anos 60, sempre teve. Era "som e fúria", como poderia dizer Falkner, cantando por exemplo Music and me, esbanjando domínio técnico-vocal e um carisma, um magnetismo permanente fora do comum frente ao público, o que segundo muitos, logo rendeu ciúmes e disputas entre os demais integrantes do conjunto, seus irmãos.

Michael – e na minha opinião o do início, especialmente, quando ainda gozava de saúde e vigor físico – entoava uma força estranha, apesar de pueril e frágil, a estremecer quem quer que fosse (independente de cor, credo ou classe social) e que, ironia da vida, era produzida nos guetos dos marginalizados e musicalíssimos negros de Gary, de Harlem... Me emociono sempre que ouço aquela massa vocal carregada de uma expressividade que não se aprende na escola. É muito forte! Apreciando I'll be there, uma nítida canção de amor, amplio seu sentido mais imediato e óbvio, e penso na sociedade americana ainda recém-saída do pós-guerra, nos seus embates por justiça e um maior equilíbrio entre as cores e as raças (lembro de Kennedy, de Luther King...). Mesmo sem ter vivido aquela época. E tudo isso a partir de um menininho cantando "Eu estarei lá". E ele chegou "lá".

Cumpriu-se o fruto de um trabalho máximo de amor à música e exploração que aniquilou sua infância, fazendo de si um adulto que não queria crescer e também o destino de um dos maiores fatos culturais da segunda metade do século XX, um fenômeno internacional.

Uma figura ambivalente, contraditória, como, aliás, a maioria dos grandes artistas. Mas talvez sem controle – e não exclusivamente por sua responsabilidade individual. Michael representava, no meu modo de ver, o que de melhor e de pior há no mundo das celebridades, dos pops, dos vips. Utilizou seu capital de prestígio artístico e financeiro para a filantropia; chegou nas massas com sua arte provocando alegria, unia as pessoas pela voz. Mas também tornou-se vítima e refém de uma fixação consumista – logo ele que era símbolo de uma indústria que nos tenta fazer consumir! ; protagonizou cenas bizarras (como fazer que ia lançar um dos filhos pela janela) e revelou nas suas máscaras e bolhas de oxigênio "prol eterna juventude" que ter dinheiro e fama e ser perseguido por todos não é tão saboroso assim. Até hoje é estranho para mim ver como a sua fisionomia foi sendo modificada (pela vaidade e pela necessidade, é verdade, sofreu queimaduras e problemas dermatológicos) tornando-se cada vez mais débil, de um semblante triste. Tais transformações somente possíveis através da mesma potência tecnológica que produz um grande astro internacional como ele. Foi um gênio fruto do seu tempo. E desafiadoramente paradoxal, como só o ser humano! Michael, a figura que foi adulto e foi criança, branco e negro, masculino e feminino, forte e frágil. Foi de uma ambivalência trágica. 
Um artista de sensibilidade artesanal, mas, ao que parece, que não pode ser  visto como um desvinculado da indústria. Ele tributário e devedor desta. Um artista pós-moderno, diga-se assim, com suas agruras e delícias. Que tal?!


Tudo acaba?

Concluo que não em se tratando de Michael. Sua obra fica pela imensa força com que chega inclusive nas novas gerações. E porque também, é verdade, está inserida numa sociedade que costuma "redescobrir" o valor dos vivos quando mortos. Michael Jackson depois de fazer um esforço hercúleo para realizar uma turnê, a que pretendia, provavelmente, encerrar – se é que é possível encerrar uma trajetória como a sua! - com a merecida dignidade, uma carreira combalida pelo desvio natural e gradativo dos holofotes e por escândalos (ainda muito mais da ordem dos mistérios não de todo desvendados) de ordem pessoal, de repente tem saída repentina no descortinar da morte. Que, segundo os números, têm sido alavanca no seu nome e no seu comprometido (?) patrimônio. É cruel, mas o sistema funciona exatamente assim. Por um lado é ótimo: sua arte tende a ser mais executada.

Pois o seu vigor sonoro, que releu as influências da música negra norte-americana (como reconheceu Michael em James Brown, por exemplo, e na Motown), que promoveu a renovação dos videociples nos anos 80, a transformação do artista num fenômeno audio-visual feérico (que cantava, dançava os "passos da lua" e ainda trazia consigo um singular estilo que incluía roupa brilhosa e luvas, um achado para produtos licenciados) etc, todas essas foram contribuições de Michael Jackson ao mundo pop. E sua existência ajudou definitivamente a moldar o universo do show-bizz, tal como o compreendemos consciente ou inconscientemente.
De modo que a mim não me parece nada estranho enxergá-lo numa mesma galeria que vai de Andy Warhol, Elvis, Madona...Essas figuras, essas marcas que souberam usar – e se permitiram usar! – pela máquina da indústria cultural.

E, ademais, dificílimamente alguém venderá outra vez, neste planeta, algo em torno de 750 milhões de álbuns (e amealhar 13 Gramy) em tempos de reprodução musical à solta pela internet. Até porque a era plena do disco parece estar nos seus últimos estertores e as gravadoras descabelam-se à busca de uma alternativa economicamente viável para si próprias. Haverá que se definir e criar outros níveis e outros parâmetros de aferição e de produção para um grande ícone pop. (Essa mudança está em curso). Suportes tecnológicos para isso não faltam. E, quem sabe, provavelmente, Artistas.

Mas Michael, mesmo com toda as novidades, deverá seguir rei. Porque majestade é posto.


Izak Dahora

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Musa-esfera africana

já rola a bola
já roda o planeta junto com a bola
giram os olhos acompanhando a dança da musa-esfera
e que corpo de mulher por ora mais envolvente que ela?

mais leve que os componentes naturais da atmosfera
mais veloz que o vento quente nas savanas
toma efeito antes mesmo do chute e é drible antecipado
-carrega, indolente e selvagem, o instinto de um continente-
que macho metido a goleiro domina a fêmea africana?

já rola a bola
no campo a luta, rolam arte,desejo, paixão
rola o objeto-móvel invenção e caro aos mercados e corações
                                                                              (de milhões)
rola a bola, já! buliçosa no ar
Jabulani



Izak Dahora

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Saramago, sem firulas, sem lágrimas





Ontem comecei a reler “Ensaio sobre a lucidez”, livro cuja narrativa dá-se a partir de uma imprevisível chuva torrencial, em pleno dia de eleição, que torna supostamente impraticável o exercício do voto. É narrada a perplexidade que as “ruas desertas de chuva”, alagadas, inundadas, nesse tão aguardado dia cívico causam na sociedade e nas instituições – sobretudo na burocracia das classes política e eleitoral. Com esta narrativa de alcance universal e, portanto, parabólica, José Saramago desfia toda a sua capacidade crítica, uma vez mais, e não deixa dúvida de como observou com ironia e severidade a miséria humana e a mediocridade dos nossos sistemas políticos – dos dirigentes e dos votantes, nós.

Quis reler este livro pois percebi que, agora, em ano eleitoral no país, quando no Brasil ficamos todos (todos?) absortos pela Copa do Mundo e falamos mais no “controverso time do Dunga” do que em questões como reforma política, por exemplo. Não que futebol seja algo desprezível, longe disso, sou um apaixonado pela bola.

Mas quando li “Ensaio...” pela primeira vez – e antes deste já havia outro, o do Nobel, e que foi parar anos depois nas telonas - ficava imaginando como seria se um dia fizéssemos, tivéssemos a coragem de simplesmente não votarmos, ainda que impedidos pela intempérie de uma chuva como daquelas do mês de abril passado. Poderíamos demonstrar, assim,  na minha imaginação quase de criança, nossa insatisfação e forçar a existência de novas eleições, quem sabe, provocando alterações maiores na forma demagógica, simplista e estatística com que os políticos nos tratam. 
Achei na ocasião o livro de uma força incrível. Isto, sem adentrar no comentário mais pormenorizado de sua linguagem detalhada, crua e espantosa no sentido da humanidade contida em digressões e, ao mesmo tempo, de uma sintaxe objetiva  e outra, invertida, provavelmente oriunda da lógica "portuguesa com certeza". 
Narrativa escrita sem o recurso dos travessões ou aspas para destacar a vozes dos personagens, o que resulta para mim como vigor do próprio ato de narrar, pois tudo está contido no curso da narração em si, resgatando alguma coisa, possivelmente, da tradição oral das aldeias onde viveu Saramago.(Torna-se , então, desnecessário anunciar as vozes com mais gestos e sinais). Arrisco-me a apontar tal linguagem como reflexo da visão "sem firulas" de Saramago, que não fazia concessões às suas opiniões, mantendo-se, ao mesmo tempo, profunda, aguda e cirúrgica, só mesmo produzida por uma mente lão lógica e quase desumanamente coerente do escritor cético e ateu declarado. Um homem que perseguiu a árdua tarefa de ser lúcido.
Aos poucos, fui tomando conhecimento da postura contundente de Saramago enquanto pensador da sociedade contemporânea quanto ao capitalismo, neoliberalismo, globalização, sua preocupação com a pobreza e a cegueira dos pobres e dos ricos...
Até que no dia seguinte da retomada da releitura do Ensaio sobre a lucidez ou seja, hoje (18/06/10), recebi a notícia da morte de Saramago. Não fiquei arrasado, pois sabia de sua idade e de sua doença, mas é claro que fará falta a presença de uma voz que, mesmo ranzinza e radical certas vezes (com a política, com a língua, com a literatura) era uma voz sem medo. E há muito medo de se ter opinião neste mundo globalizado! Tentei ser cético – como ele seria – diante de sua morte, mas fui um tanto fraco, como é de todo humano, e acabei escrevendo essas palavras. Mas, que fique bem claro, uma forma, na verdade, de nos fazermos lembrar da importância da atividade reflexiva e crítica do indivíduo.

Enfim, querer alguma relação metafísica para eu ter buscado o livro de Saramago na véspera de sua morte – ainda mais em se tratando desse escritor, um cético convicto – seria forçoso. E ele não gostaria disso, como detestaria também, creio eu, quaisquer tipo de lágrimas sobre a inevitabilidade da sua morte e da nossa, que virá um dia.  Digamos que tenha sido coincidência eu ter voltado a sua literatura logo ontem. 
Ou, para afastar-me a frieza da "coincidência", posso ficar aqui com a visão de uma amiga minha que me disse que o mundo está conectado, que vivemos todos numa confluência energética (egrégora) a nos deixar de certo modo unidos. E isto é pura física, não havendo nada, portanto, de transcendente em sensibilizar-se com o que me ocorreu.

Achei interessante a explicação da minha amiga Bruna. Só acrescenteria que se a leitura e o pensamento são também compreendidos como formas de amizade, mais um motivo para estarmos ligados.




Izak Dahora

terça-feira, 15 de junho de 2010

Sonho de trova



Meu sonho é ver meu verso virar canção.
Não lê-lo; ouví-lo, quando neste dia
for surpreendido pela nova possibilidade
de algo que rompeu de mim e eu não percebia.
Quero ser um trovador
Quero ser o que já foi caminhando errante
sobre os caminhos de pedra da Idade Média
embriagado em noite alta.
E gozar de ver meu verso fazer soprar delírios
nos ouvidos da mulher amada.



Izak Dahora


O barraco do pobre
agora caindo à beira da encosta
à beira do caos
era seu carnaval
-embora depois do dilúvio um mero delírio-
mas porque seu
construção da sua criatividade
e improviso.
Era alegoria em cuja poesia nascia o dia em alvorada.


E a visão da beira-mar
que alguém (Nós) disse
não ser o seu lugar
era parte do apartheid sorridente e cordial
produzido no seio de país desigual.


Izak Dahora

domingo, 13 de junho de 2010

Epidérmica (1)


A tua pele é um mapa, uma página.
Repleta de signos, a vontade que irrompe
é tomar o seu corpo e devorar cada sarda.

Gosto da textura da tua pele:
Pele seca, escamosa e àspera.

Tua tez não tem quinze nem vinte
Não traz a tola maciez dos romances de folhetim...
É pele madura, balzaquiana - e ainda assim fresca e jovem.

É já um todo branco e sensível ao calor e à luz, a tua pele,
e que quero proteger no meu contato,
na minha excessiva e excitada melanina,
derramando em leito no teu corpo de leite
minha pele escura e oleosa.

judiando de amor em tua pele judia,
este amor constrastado, claro-escuro, poesia,
desvelo de tuas manchas sárdicas teus enigmas
a mim prometidos em tecitivos manuscritos hebraicos

assim é, para mim, a tua pele:
em cada ponto um pouso, em cada sarda uma faixa apaixonada de Gaza
...e ao centro, ao ponto alto dessa fé de crer em nós,
na flor de teu sexo, onde faço procissão, minha Jerusalém.


(Izak Dahora)

quarta-feira, 19 de maio de 2010

A quatro mãos ou a duas cabeças.

Certo dia desses que já não sei mais ao certo, agora certamente perdido nas cercanias da memória, postei no twitter a frase que, na verdade, venho tentando há muito ser o verso inicial de um novo poema:

"A esperança tem cara de criança".

O que fez uma amiga minha, Luciá Tavares, através da instantaneidade da ferramenta, nova febre da internet, arrematar:

"A esperança tem cara de criança
Mas é a última que morre".

Recorreu ao ditado popular, me intrigou no nexo possível da síntese que se produziu dos dois versos e esse pequeno mistério, contraditório como todos os mistérios - diga-se - ficou na minha cabeça.


(Izak Dahora)

sábado, 24 de abril de 2010

A Walt Whitman



assumo minhas multidões,
minhas galeras ensandecidas,
minhas mais profundas vagas
alternando entre calmarias e ressacas.
meu eu entre meu lado augusto e meu lado podre do povo
que afaga mas também lincha em praça pública.

asssumo e vos digo: vivo em paz. me contradigo.
assumo então as imperfeições e faço meu resumo:

de todas as minhas várias facções, duas merecem
especial atenção, embora existencialmente desorganizadas.
uma é a arte, solo em que me expresso, o verbo, o verso
e a outra é a sede amar, quase sempre sem reverso,
e de que nunca me disperso:
minha condenação feliz e reincidente.


(Izak Dahora)

quinta-feira, 22 de abril de 2010

O Brasil e a morte do presidente da Polônia - o que a morte de um líder tão distante fez-me sentir e pensar.



A morte do presidente da Polônia há duas semanas fez-me pensar no abismo que se abre e na tragédia que se abate no coração de um país. Uma situação como essa faz-me pensar que uma nação tem sim um coração, um sentimento comum que - apesar das divergências internas possíveis expressas nas oposições políticas - corre nas veias de um grupo de pessoas.

A perda do executivo de um cargo tão simbólico é inimaginável e catastrófica, quase irreparável. O presidente da república, assim como um monarca (mesmo sem a pompa deste) é tão ligada no imaginário de todos à ideia de força, que ninguém vislumbra normalmente um líder morrer de forma tão repentina. Porque a função do líder, penso, embora não nos demos conta disso muito racionalmente no correr dos dias, é fazer as pessoas terem força, estimular o crescimento material e psicológico de todos através de sua ação e de sua presença, a qual pede e envolve um magnetismo pessoal, carisma – equilibrada com sua competência, claro.

E o que se deu na Polônia com a morte trágica de Lech Kaczynski e de boa parte sua equipe de governo (incluindo primeira-dama e altos funcionários) provoca exatamente o efeito contrário. O país ficou acéfalo sem sua referência construída pelo voto popular e desnorteado emocionalmente.

Não vivi a era Kennedy, mas quem viveu compartilhou junto da História uma frustração que, sem exageros, arrástasse até os dias atuais, lá nos quintais do coração de quem passou por aquele golpe do destino. Ainda mais no caso de um político de tamanha popularidade e que trazia consigo a promessa de anos tão democráticos.

Mesmo assim, a perda do representante político máximo de uma sociedade – e arrisco-me a dizer: seja em regime democrático como em sistemas fechados e autoritários em que se formam grandes personalismos e ligação emocional com o povo – causa desalento e nenhum político sensato, na minha opinião, deveria comprazer-se de tal infortúnio. Porque esse tipo de perda desestabiliza, mexe com o brio da coletividade. (Sadam Husseim, um sanguinário, foi morto, mas havia quem o aprovasse. Além disso, sua morte causou mudança e destruição em tudo que se possa imaginar. Por isso a questão é delicada, pois afeta a todos, irreversivelmente).

No caso de um presidente ser um fracasso no governo, tudo bem, não sendo algo mais urgente, no pleito seguinte se pode tirá-lo – isso nas democracias, que não era o caso de Sadam! Porque ver alguém não cumprir todo um mandato é sempre decepcionante. Não é bom. No caso de uma democracia ,uma perda motivada por óbito ou por um impeachtment, que seja, enfraquece a sequência prevista das instituições políticas e ainda abre uma ameaçadora e possível brecha, o chamado vácuo no poder, oportuno para os aventureiros e megalômanos que existem por aí e sempre insistem em se aproveitar dos momentos de forte comoção e fragilidade nacional.

Ora, ascenção de Hitler e do nazismo foi, mal comparando, mais ou menos assim, emergiada do caos. Não exatamente precedida pela morte de alguém, mas o país vivia um vácuo de liderança política contundente, de alguém que pudésse inspirar seu povo a seguir – Alemanha pobre, inflcionada, sem perspectivas de crescimento, sem esperança; daí um ser midiático prometendo a pujança local via nacionalismo radical. Deu no que deu: quantos holocaustos!

Que dirá isso numa democracia históricamente interrompida, cambaleante e letárgica como a brasileira, por exemplo, aqui um país não sério, dos "jeitinhos" (em todas as esferas e escalas, aliás)! Nossa história recente tem Tancredo Neves e Fernando Collor para ilustrar o tema, dois casos distintos. O primeiro, suficientemente respeitado por todos, era o símbolo de uma retomada lenta, gradual e segura porém conquistada que ,de uma noite para o dia seguinte, deixou o país triste e temeroso com o que poderia voltar a acontecer. E o segundo, a meu ver, representa a perda da confiança depositada por uma nação carente de liberdade e  de respeito cerceados em graus progressivos entre 1964 e o início da década de 80. Também uma forma de luto, que com luta, o povo teve de zelar para a democracia seguir em paz o seu curso.

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Lembro-me agora de um episódio que soube assistindo a uma entrevista do ex-governador Leonel Brizola, já falecido. Disse ele que na ocasião próxima da resolução do impeachment do então presidente Collor, ele, Brizola, foi ter com Collor no seu gabinete para dizer-lhe mais ou menos o seguinte:

-Resista, presidente, resista! Se o senhor estiver errado, a justiça provará e será penalizado, mas seja forte para que coisas piores do que essa situação tão negativa e desgastante, não aconteçam.

Pode parecer um contra-senso, mas Brizola quis aludir, creio, à vulnerabilidade em que o país poderia ficar com um presidente que pedisse a renúncia, por exemplo, ou, sei lá, desse cabo da própria vida ante a pressão da opinião pública (esse tipo de evasão transtorna emocionalmente o povo e política pede a razão). Qualquer uma das alternativas poriam o Brasil, ainda recém-saído de uma ditadura de mais de vinte anos, no risco novamente. Brizola teve, mesmo enquanto opositor, um gesto de grandeza e sabedoria política. O melhor que tinha a ser feito foi feito: os Caras-pintadas (o povo) foram às ruas e o Congresso não teve outra atitude a tomar que não fosse o pedido de impeachment. Mesmo o impeachment não sendo o processo dos mais interessantes e agradáveis para um país - e igualmente arriscado no caso do Brasil.

Remontei o episódio acima para reforçar, com a "preocupação" do ex-governador Brizola, como que uma abrupta saída de cena de um executivo pode ser danosa, em todos os sentidos. Seja ela trágica e imprevisível ou fabricada e evasiva. A morte de Getúlio Vargas, ao que tudo indica até hoje ter sido um suicídio, mitificou uma figura altamente controvertida. Seu autoritarismo que estava sendo como nunca criticado veementemente, ficou nublado pelo baque profundo de sua morte num povo extremamente emocional. "Saiu da vida para entrar, ("redimido"), na história".

O choque é verdadeiro, a dor é sincera, mas os erros podem ficar imperceptíveis onde só há espaço para a piedade (mas também qual a fómula de se controlá-la?) A piedade, esta forma até mesmo mesquinha , judaico-cristã, forma de expiar nossas culpas mostrando que sentimos pena de alguém.
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Não sei dos pormenores da política polonesa, não sei se Lech Kaczynski era, de fato, um bom representante naquele mar mafioso dos poderosos do leste europeu. Não sei se foi fatalidade ou atentado bem sucedido, nada. Também não é desejo meu afirmar qualquer coisa neste sentido. Hoje só quis falar (e digredir) dessa perda que se abate sobre o poder, seu caráter complexo e ambíguo, e que se reflete na vida de muitos milhões, abrindo quase sempre um futuro de incertezas e inseguranças. Foi tocante ver o desconcerto dos semblantes poloneses diante da tragédia. Um misto de orfandade e de um não crer no que estava acontecendo: um pesadelo.


Izak Dahora