Vesti-me de verde e amarelo (e também de azul e branco na consciência, as quais também colorem a bandeira pátria) e acorri pelas ruas para exibir o entusiasmo de ser brasileiro e o otimismo frente à partida de algumas horas depois. Não resisti, o corpo e os sentidos foram tomados pela vontade de torcer.
Era ainda manhã e fui trabalhar, mas já a caráter para torcer pelo "time do Dunga", que, não obstante algumas divergências conceituais futebolísticas, representa a paixão de uns 190 milhões de fanáticos e carentes como eu.
A segunda-feira, normalmente um dia ingrato e maldito, quem diria tornou-se marco de um patriotismo atípico aqui abaixo dos trópicos - num ano que é de eleição e as campanhas, aproveitando-se do ensurdecer provocado por cornetas e réplicas das vuvuzelas africanas, já começaram. Alô, alô, Ficha Limpa!!
No fim não poderia haver resultado melhor: Brasil 3 x Chile 0. Rumo às quartas-de-final.
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Penso que é o futebol o esporte que melhor assume a condição de metáfora da experiência humana. Dois exércitos encampados, onze para cada lado, correndo, lutando, suando e com a finalidade-mor de pôr entre as traves a bola, chegando ao "ponto g" do gol, um estado de prazer, ainda que momentâneo, e (por que não?) de felicidade eterna, pois quem não se lembra de um gol ou lance qualquer escondido nos arquivos da memória sempre a despertar o mais infante dos sorrisos?
Mais ou menos assim vivemos, tentando converter em apoteose nossos anseios e ambições no descampado da vida repleto de emoções absurdas e que dura bem mais do que noventa minutos.
Só que o futebol – e nisso assim como as demais modalidades do esporte, sob aquela nobre e pedagógica inspiração grega das olimpíadas – realiza essa luta de modo filosóficamente positivo e fisico-químicamente saudável, porque permite que cada integrante dos times dê vazão aos seus instintos naturais mais brutais e beligerantes, que caracterizam o homem, só que de modo lúdico, quando não simplesmente disciplinado, o que já é um ganho. (Garrincha, Pelé, Maradona, Zidane, Messi e outros são verdadeiros poetas pela destreza e refinamento com que trataram ou tratam a bola, ou então, para reforçar o aspecto de guerra benigna do esporte, autênticos cavaleiros andantes e de sonhos impossíveis, Dom Quixotes dos gramados). É certo que há determinados lutadores que extrapolam esse conceito – ou por maldade ou por deficiência – e acabam transformando em nada amistosas as partidas. Nem vale a pena mencioná-los.
Puxando a sardinha para a paixão futebolística digo que , dentre os esportes, só futebol – invenção da China medieval, concepção moderna da Inglaterra e patrimônio artístico 100% brasileiro – é o que mais se parece com a vida - assim como o meu querido teatro nos seus tablados - pela sorte de formas, emoções e improvisos que se dão nele. Por isso se parece tanto com a vida, pois pode ser belo e trágico ao mesmo tempo. O velho Nelson Rodrigues escreveu bastante sobre essa conjugação misteriosa, que para ele assumia feições emocionais tricolores.
Diferentemente, por exemplo, do vôlei, do tênis e até do basquete (este com uma ginga similar à do soccer), o futebol talvez seja o único em que o pequeno e inferior técnicamente pode derrotar o grande e superior. Não que isto não acontecã nos outros esportes, mas é mais difícil. O campo largo e as variáveis de esforço, tática, emoções e catimbas fazem a diferença.
O futebol, então, torna-se um palco do imponderável. Além de que no futebol não se pontua tanto. Por vezes, basta um time fazer o dito "gol feio" de uma cabeçada dividida a partir de um escanteio e, em seguida, fechar-se na marra e na retranca, parando sempre o jogo com faltas para segurar o resultado de um magro porém suado 1 x 0 ; ou acertar um inusitado e belo chute do meio de campo, aos 45 do segundo tempo, encobrindo o goleiro adiantado e fazer 3 x 2 , aquele placar típico de clássico e levar a partida.
Ah, o futebol!
Izak Dahora
Um comentário:
Adorei o futebol visto filosoficamente!!!
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