quinta-feira, 22 de abril de 2010

O Brasil e a morte do presidente da Polônia - o que a morte de um líder tão distante fez-me sentir e pensar.



A morte do presidente da Polônia há duas semanas fez-me pensar no abismo que se abre e na tragédia que se abate no coração de um país. Uma situação como essa faz-me pensar que uma nação tem sim um coração, um sentimento comum que - apesar das divergências internas possíveis expressas nas oposições políticas - corre nas veias de um grupo de pessoas.

A perda do executivo de um cargo tão simbólico é inimaginável e catastrófica, quase irreparável. O presidente da república, assim como um monarca (mesmo sem a pompa deste) é tão ligada no imaginário de todos à ideia de força, que ninguém vislumbra normalmente um líder morrer de forma tão repentina. Porque a função do líder, penso, embora não nos demos conta disso muito racionalmente no correr dos dias, é fazer as pessoas terem força, estimular o crescimento material e psicológico de todos através de sua ação e de sua presença, a qual pede e envolve um magnetismo pessoal, carisma – equilibrada com sua competência, claro.

E o que se deu na Polônia com a morte trágica de Lech Kaczynski e de boa parte sua equipe de governo (incluindo primeira-dama e altos funcionários) provoca exatamente o efeito contrário. O país ficou acéfalo sem sua referência construída pelo voto popular e desnorteado emocionalmente.

Não vivi a era Kennedy, mas quem viveu compartilhou junto da História uma frustração que, sem exageros, arrástasse até os dias atuais, lá nos quintais do coração de quem passou por aquele golpe do destino. Ainda mais no caso de um político de tamanha popularidade e que trazia consigo a promessa de anos tão democráticos.

Mesmo assim, a perda do representante político máximo de uma sociedade – e arrisco-me a dizer: seja em regime democrático como em sistemas fechados e autoritários em que se formam grandes personalismos e ligação emocional com o povo – causa desalento e nenhum político sensato, na minha opinião, deveria comprazer-se de tal infortúnio. Porque esse tipo de perda desestabiliza, mexe com o brio da coletividade. (Sadam Husseim, um sanguinário, foi morto, mas havia quem o aprovasse. Além disso, sua morte causou mudança e destruição em tudo que se possa imaginar. Por isso a questão é delicada, pois afeta a todos, irreversivelmente).

No caso de um presidente ser um fracasso no governo, tudo bem, não sendo algo mais urgente, no pleito seguinte se pode tirá-lo – isso nas democracias, que não era o caso de Sadam! Porque ver alguém não cumprir todo um mandato é sempre decepcionante. Não é bom. No caso de uma democracia ,uma perda motivada por óbito ou por um impeachtment, que seja, enfraquece a sequência prevista das instituições políticas e ainda abre uma ameaçadora e possível brecha, o chamado vácuo no poder, oportuno para os aventureiros e megalômanos que existem por aí e sempre insistem em se aproveitar dos momentos de forte comoção e fragilidade nacional.

Ora, ascenção de Hitler e do nazismo foi, mal comparando, mais ou menos assim, emergiada do caos. Não exatamente precedida pela morte de alguém, mas o país vivia um vácuo de liderança política contundente, de alguém que pudésse inspirar seu povo a seguir – Alemanha pobre, inflcionada, sem perspectivas de crescimento, sem esperança; daí um ser midiático prometendo a pujança local via nacionalismo radical. Deu no que deu: quantos holocaustos!

Que dirá isso numa democracia históricamente interrompida, cambaleante e letárgica como a brasileira, por exemplo, aqui um país não sério, dos "jeitinhos" (em todas as esferas e escalas, aliás)! Nossa história recente tem Tancredo Neves e Fernando Collor para ilustrar o tema, dois casos distintos. O primeiro, suficientemente respeitado por todos, era o símbolo de uma retomada lenta, gradual e segura porém conquistada que ,de uma noite para o dia seguinte, deixou o país triste e temeroso com o que poderia voltar a acontecer. E o segundo, a meu ver, representa a perda da confiança depositada por uma nação carente de liberdade e  de respeito cerceados em graus progressivos entre 1964 e o início da década de 80. Também uma forma de luto, que com luta, o povo teve de zelar para a democracia seguir em paz o seu curso.

------

Lembro-me agora de um episódio que soube assistindo a uma entrevista do ex-governador Leonel Brizola, já falecido. Disse ele que na ocasião próxima da resolução do impeachment do então presidente Collor, ele, Brizola, foi ter com Collor no seu gabinete para dizer-lhe mais ou menos o seguinte:

-Resista, presidente, resista! Se o senhor estiver errado, a justiça provará e será penalizado, mas seja forte para que coisas piores do que essa situação tão negativa e desgastante, não aconteçam.

Pode parecer um contra-senso, mas Brizola quis aludir, creio, à vulnerabilidade em que o país poderia ficar com um presidente que pedisse a renúncia, por exemplo, ou, sei lá, desse cabo da própria vida ante a pressão da opinião pública (esse tipo de evasão transtorna emocionalmente o povo e política pede a razão). Qualquer uma das alternativas poriam o Brasil, ainda recém-saído de uma ditadura de mais de vinte anos, no risco novamente. Brizola teve, mesmo enquanto opositor, um gesto de grandeza e sabedoria política. O melhor que tinha a ser feito foi feito: os Caras-pintadas (o povo) foram às ruas e o Congresso não teve outra atitude a tomar que não fosse o pedido de impeachment. Mesmo o impeachment não sendo o processo dos mais interessantes e agradáveis para um país - e igualmente arriscado no caso do Brasil.

Remontei o episódio acima para reforçar, com a "preocupação" do ex-governador Brizola, como que uma abrupta saída de cena de um executivo pode ser danosa, em todos os sentidos. Seja ela trágica e imprevisível ou fabricada e evasiva. A morte de Getúlio Vargas, ao que tudo indica até hoje ter sido um suicídio, mitificou uma figura altamente controvertida. Seu autoritarismo que estava sendo como nunca criticado veementemente, ficou nublado pelo baque profundo de sua morte num povo extremamente emocional. "Saiu da vida para entrar, ("redimido"), na história".

O choque é verdadeiro, a dor é sincera, mas os erros podem ficar imperceptíveis onde só há espaço para a piedade (mas também qual a fómula de se controlá-la?) A piedade, esta forma até mesmo mesquinha , judaico-cristã, forma de expiar nossas culpas mostrando que sentimos pena de alguém.
------

Não sei dos pormenores da política polonesa, não sei se Lech Kaczynski era, de fato, um bom representante naquele mar mafioso dos poderosos do leste europeu. Não sei se foi fatalidade ou atentado bem sucedido, nada. Também não é desejo meu afirmar qualquer coisa neste sentido. Hoje só quis falar (e digredir) dessa perda que se abate sobre o poder, seu caráter complexo e ambíguo, e que se reflete na vida de muitos milhões, abrindo quase sempre um futuro de incertezas e inseguranças. Foi tocante ver o desconcerto dos semblantes poloneses diante da tragédia. Um misto de orfandade e de um não crer no que estava acontecendo: um pesadelo.


Izak Dahora

Nenhum comentário: