Ontem comecei a reler “Ensaio sobre a lucidez”, livro cuja narrativa dá-se a partir de uma imprevisível chuva torrencial, em pleno dia de eleição, que torna supostamente impraticável o exercício do voto. É narrada a perplexidade que as “ruas desertas de chuva”, alagadas, inundadas, nesse tão aguardado dia cívico causam na sociedade e nas instituições – sobretudo na burocracia das classes política e eleitoral. Com esta narrativa de alcance universal e, portanto, parabólica, José Saramago desfia toda a sua capacidade crítica, uma vez mais, e não deixa dúvida de como observou com ironia e severidade a miséria humana e a mediocridade dos nossos sistemas políticos – dos dirigentes e dos votantes, nós.
Quis reler este livro pois percebi que, agora, em ano eleitoral no país, quando no Brasil ficamos todos (todos?) absortos pela Copa do Mundo e falamos mais no “controverso time do Dunga” do que em questões como reforma política, por exemplo. Não que futebol seja algo desprezível, longe disso, sou um apaixonado pela bola.
Mas quando li “Ensaio...” pela primeira vez – e antes deste já havia outro, o do Nobel, e que foi parar anos depois nas telonas - ficava imaginando como seria se um dia fizéssemos, tivéssemos a coragem de simplesmente não votarmos, ainda que impedidos pela intempérie de uma chuva como daquelas do mês de abril passado. Poderíamos demonstrar, assim, na minha imaginação quase de criança, nossa insatisfação e forçar a existência de novas eleições, quem sabe, provocando alterações maiores na forma demagógica, simplista e estatística com que os políticos nos tratam.
Achei na ocasião o livro de uma força incrível. Isto, sem adentrar no comentário mais pormenorizado de sua linguagem detalhada, crua e espantosa no sentido da humanidade contida em digressões e, ao mesmo tempo, de uma sintaxe objetiva e outra, invertida, provavelmente oriunda da lógica "portuguesa com certeza".
Narrativa escrita sem o recurso dos travessões ou aspas para destacar a vozes dos personagens, o que resulta para mim como vigor do próprio ato de narrar, pois tudo está contido no curso da narração em si, resgatando alguma coisa, possivelmente, da tradição oral das aldeias onde viveu Saramago.(Torna-se , então, desnecessário anunciar as vozes com mais gestos e sinais). Arrisco-me a apontar tal linguagem como reflexo da visão "sem firulas" de Saramago, que não fazia concessões às suas opiniões, mantendo-se, ao mesmo tempo, profunda, aguda e cirúrgica, só mesmo produzida por uma mente lão lógica e quase desumanamente coerente do escritor cético e ateu declarado. Um homem que perseguiu a árdua tarefa de ser lúcido.
Achei na ocasião o livro de uma força incrível. Isto, sem adentrar no comentário mais pormenorizado de sua linguagem detalhada, crua e espantosa no sentido da humanidade contida em digressões e, ao mesmo tempo, de uma sintaxe objetiva e outra, invertida, provavelmente oriunda da lógica "portuguesa com certeza".
Narrativa escrita sem o recurso dos travessões ou aspas para destacar a vozes dos personagens, o que resulta para mim como vigor do próprio ato de narrar, pois tudo está contido no curso da narração em si, resgatando alguma coisa, possivelmente, da tradição oral das aldeias onde viveu Saramago.(Torna-se , então, desnecessário anunciar as vozes com mais gestos e sinais). Arrisco-me a apontar tal linguagem como reflexo da visão "sem firulas" de Saramago, que não fazia concessões às suas opiniões, mantendo-se, ao mesmo tempo, profunda, aguda e cirúrgica, só mesmo produzida por uma mente lão lógica e quase desumanamente coerente do escritor cético e ateu declarado. Um homem que perseguiu a árdua tarefa de ser lúcido.
Aos poucos, fui tomando conhecimento da postura contundente de Saramago enquanto pensador da sociedade contemporânea quanto ao capitalismo, neoliberalismo, globalização, sua preocupação com a pobreza e a cegueira dos pobres e dos ricos...
Até que no dia seguinte da retomada da releitura do Ensaio sobre a lucidez ou seja, hoje (18/06/10), recebi a notícia da morte de Saramago. Não fiquei arrasado, pois sabia de sua idade e de sua doença, mas é claro que fará falta a presença de uma voz que, mesmo ranzinza e radical certas vezes (com a política, com a língua, com a literatura) era uma voz sem medo. E há muito medo de se ter opinião neste mundo globalizado! Tentei ser cético – como ele seria – diante de sua morte, mas fui um tanto fraco, como é de todo humano, e acabei escrevendo essas palavras. Mas, que fique bem claro, uma forma, na verdade, de nos fazermos lembrar da importância da atividade reflexiva e crítica do indivíduo.
Enfim, querer alguma relação metafísica para eu ter buscado o livro de Saramago na véspera de sua morte – ainda mais em se tratando desse escritor, um cético convicto – seria forçoso. E ele não gostaria disso, como detestaria também, creio eu, quaisquer tipo de lágrimas sobre a inevitabilidade da sua morte e da nossa, que virá um dia. Digamos que tenha sido coincidência eu ter voltado a sua literatura logo ontem.
Ou, para afastar-me a frieza da "coincidência", posso ficar aqui com a visão de uma amiga minha que me disse que o mundo está conectado, que vivemos todos numa confluência energética (egrégora) a nos deixar de certo modo unidos. E isto é pura física, não havendo nada, portanto, de transcendente em sensibilizar-se com o que me ocorreu.
Achei interessante a explicação da minha amiga Bruna. Só acrescenteria que se a leitura e o pensamento são também compreendidos como formas de amizade, mais um motivo para estarmos ligados.
Izak Dahora
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