sábado, 26 de junho de 2010

A crônica que eu quis escrever há um ano sobre o Rei do Pop e não escrevi.




Tudo acaba. Fim.

Andam dizendo por aí que Michael Jackson não morreu, assim como o foi com Elvis e alguns outros grandes do mundo pop. Para mim ele se foi, sim, como, aliás, todos nós reles mortais, seres perecíveis neste palco da vida, mas que tentamos ao menos – uns pela via do trabalho determinado, outros pelo da fama inócua - aqueles quinze minutinhos mágicos de atenção, por mais pés-no-chão e tímidos que possamos ser.

Mas para isso há que se ter talento, além de uma boa dose de sorte, claro, aquela estrela que brilha. E aquele garoto, mascote dos The Jackson Five, grupo soul surgido em meados dos anos 60, sempre teve. Era "som e fúria", como poderia dizer Falkner, cantando por exemplo Music and me, esbanjando domínio técnico-vocal e um carisma, um magnetismo permanente fora do comum frente ao público, o que segundo muitos, logo rendeu ciúmes e disputas entre os demais integrantes do conjunto, seus irmãos.

Michael – e na minha opinião o do início, especialmente, quando ainda gozava de saúde e vigor físico – entoava uma força estranha, apesar de pueril e frágil, a estremecer quem quer que fosse (independente de cor, credo ou classe social) e que, ironia da vida, era produzida nos guetos dos marginalizados e musicalíssimos negros de Gary, de Harlem... Me emociono sempre que ouço aquela massa vocal carregada de uma expressividade que não se aprende na escola. É muito forte! Apreciando I'll be there, uma nítida canção de amor, amplio seu sentido mais imediato e óbvio, e penso na sociedade americana ainda recém-saída do pós-guerra, nos seus embates por justiça e um maior equilíbrio entre as cores e as raças (lembro de Kennedy, de Luther King...). Mesmo sem ter vivido aquela época. E tudo isso a partir de um menininho cantando "Eu estarei lá". E ele chegou "lá".

Cumpriu-se o fruto de um trabalho máximo de amor à música e exploração que aniquilou sua infância, fazendo de si um adulto que não queria crescer e também o destino de um dos maiores fatos culturais da segunda metade do século XX, um fenômeno internacional.

Uma figura ambivalente, contraditória, como, aliás, a maioria dos grandes artistas. Mas talvez sem controle – e não exclusivamente por sua responsabilidade individual. Michael representava, no meu modo de ver, o que de melhor e de pior há no mundo das celebridades, dos pops, dos vips. Utilizou seu capital de prestígio artístico e financeiro para a filantropia; chegou nas massas com sua arte provocando alegria, unia as pessoas pela voz. Mas também tornou-se vítima e refém de uma fixação consumista – logo ele que era símbolo de uma indústria que nos tenta fazer consumir! ; protagonizou cenas bizarras (como fazer que ia lançar um dos filhos pela janela) e revelou nas suas máscaras e bolhas de oxigênio "prol eterna juventude" que ter dinheiro e fama e ser perseguido por todos não é tão saboroso assim. Até hoje é estranho para mim ver como a sua fisionomia foi sendo modificada (pela vaidade e pela necessidade, é verdade, sofreu queimaduras e problemas dermatológicos) tornando-se cada vez mais débil, de um semblante triste. Tais transformações somente possíveis através da mesma potência tecnológica que produz um grande astro internacional como ele. Foi um gênio fruto do seu tempo. E desafiadoramente paradoxal, como só o ser humano! Michael, a figura que foi adulto e foi criança, branco e negro, masculino e feminino, forte e frágil. Foi de uma ambivalência trágica. 
Um artista de sensibilidade artesanal, mas, ao que parece, que não pode ser  visto como um desvinculado da indústria. Ele tributário e devedor desta. Um artista pós-moderno, diga-se assim, com suas agruras e delícias. Que tal?!


Tudo acaba?

Concluo que não em se tratando de Michael. Sua obra fica pela imensa força com que chega inclusive nas novas gerações. E porque também, é verdade, está inserida numa sociedade que costuma "redescobrir" o valor dos vivos quando mortos. Michael Jackson depois de fazer um esforço hercúleo para realizar uma turnê, a que pretendia, provavelmente, encerrar – se é que é possível encerrar uma trajetória como a sua! - com a merecida dignidade, uma carreira combalida pelo desvio natural e gradativo dos holofotes e por escândalos (ainda muito mais da ordem dos mistérios não de todo desvendados) de ordem pessoal, de repente tem saída repentina no descortinar da morte. Que, segundo os números, têm sido alavanca no seu nome e no seu comprometido (?) patrimônio. É cruel, mas o sistema funciona exatamente assim. Por um lado é ótimo: sua arte tende a ser mais executada.

Pois o seu vigor sonoro, que releu as influências da música negra norte-americana (como reconheceu Michael em James Brown, por exemplo, e na Motown), que promoveu a renovação dos videociples nos anos 80, a transformação do artista num fenômeno audio-visual feérico (que cantava, dançava os "passos da lua" e ainda trazia consigo um singular estilo que incluía roupa brilhosa e luvas, um achado para produtos licenciados) etc, todas essas foram contribuições de Michael Jackson ao mundo pop. E sua existência ajudou definitivamente a moldar o universo do show-bizz, tal como o compreendemos consciente ou inconscientemente.
De modo que a mim não me parece nada estranho enxergá-lo numa mesma galeria que vai de Andy Warhol, Elvis, Madona...Essas figuras, essas marcas que souberam usar – e se permitiram usar! – pela máquina da indústria cultural.

E, ademais, dificílimamente alguém venderá outra vez, neste planeta, algo em torno de 750 milhões de álbuns (e amealhar 13 Gramy) em tempos de reprodução musical à solta pela internet. Até porque a era plena do disco parece estar nos seus últimos estertores e as gravadoras descabelam-se à busca de uma alternativa economicamente viável para si próprias. Haverá que se definir e criar outros níveis e outros parâmetros de aferição e de produção para um grande ícone pop. (Essa mudança está em curso). Suportes tecnológicos para isso não faltam. E, quem sabe, provavelmente, Artistas.

Mas Michael, mesmo com toda as novidades, deverá seguir rei. Porque majestade é posto.


Izak Dahora

4 comentários:

Nica Bomfim disse...

Fico sempre encantada com esse menino - é um menino, sim, tão novinho ainda! Não apenas com a facilidade e beleza com que ele mexe com as palavras, mas com o conteúdo robusto de tudo o que ele escreve... e fala.
Sem exagero, é a pessoa mais culta da sua geração, das que eu conheço (e olha que eu conheço e convivo com MUITOS jovens!!!).
Isso porque nem falei do violino, do repertório de músicas brasileiras antológicas...
Ah, sou doida por esse menino!!!! Não é de hoje!!!
Maior orgulho de ser sua mãe, ainda que na ficção!
Beijossssss, meu querido
e a minha bênção!

Laryssa disse...

Iza faço as palavras acima, as minhas. Tens um dom maravilhoso, e você envolve a pessoa em sua leitura. Magnifico. Gosto de pessoas como você, culto! Alias, gosto de estar rodeada de pessoas em que eu possa aprender também! Por isso estou te seguindo. E fico feliz por ter retorno de seu carinho. Obrigado. E saibar que tens um futuro promissor. Beijos querido!! Laryssa.

Thaís Araújo disse...

Ah fiquei super feliz de por um "nero" digo mero acaso descobrir seu blog. Sigo o Nero no twitter, (aliás, isso é um caso antigo pq tudo começou pelo blog) enfim... Nesse caso foi uma ponte para alguém que escreve com tanta sinceridade e esclarecimento. Interessante a maneira que vc utiliza p/ transcorrer suas idéias, visões, opiniões. Em suma, se vale minha singela opinião, adorei! Parabéns!!!

gabis disse...

Adorei o texto todo!
Nunca tinha analisado a história da linda (e milhares de vezes regravada) I'll be there.
O artista morre mas a sua obra é eterna...
sua obra simplesmente é.
Viva o Rei!


g