terça-feira, 29 de junho de 2010

Notas dos momentos antes de um jogo de Copa. // Bajulando uma paixão nacional.



Vesti-me de verde e amarelo (e também de azul e branco na consciência, as quais também colorem a bandeira pátria) e acorri pelas ruas para exibir o entusiasmo de ser brasileiro e o otimismo frente à partida de algumas horas depois. Não resisti, o corpo e os sentidos foram tomados pela vontade de torcer.
Era ainda manhã e fui trabalhar, mas já a caráter para torcer pelo "time do Dunga", que, não obstante algumas divergências conceituais futebolísticas, representa a paixão de uns 190 milhões de fanáticos e carentes como eu.
A segunda-feira, normalmente um dia ingrato e maldito, quem diria tornou-se marco de um patriotismo atípico aqui abaixo dos trópicos - num ano que é de eleição e as campanhas, aproveitando-se do ensurdecer provocado por cornetas e réplicas das vuvuzelas africanas, já começaram. Alô, alô, Ficha Limpa!!

No fim não poderia haver resultado melhor: Brasil 3 x Chile 0. Rumo às quartas-de-final.

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Penso que é o futebol o esporte que melhor assume a condição de metáfora da experiência humana. Dois exércitos encampados, onze para cada lado, correndo, lutando, suando e com a finalidade-mor de pôr entre as traves a bola, chegando ao "ponto g" do gol, um estado de prazer, ainda que momentâneo, e (por que não?) de felicidade eterna, pois quem não se lembra de um gol ou lance qualquer escondido nos arquivos da memória sempre a despertar o mais infante dos sorrisos?
Mais ou menos assim vivemos, tentando converter em apoteose nossos anseios e ambições no descampado da vida repleto de emoções absurdas e que dura bem mais do que noventa minutos.

Só que o futebol – e nisso assim como as demais modalidades do esporte, sob aquela nobre e pedagógica inspiração grega das olimpíadas – realiza essa luta de modo filosóficamente positivo e fisico-químicamente saudável, porque permite que cada integrante dos times dê vazão aos seus instintos naturais mais brutais e beligerantes, que caracterizam o homem, só que de modo lúdico, quando não simplesmente disciplinado, o que já é um ganho. (Garrincha, Pelé, Maradona, Zidane, Messi e outros são verdadeiros poetas pela destreza e refinamento com que trataram ou tratam a bola, ou então, para reforçar o aspecto de guerra benigna do esporte, autênticos cavaleiros andantes e de sonhos impossíveis, Dom Quixotes dos gramados). É certo que há determinados lutadores que extrapolam esse conceito – ou por maldade ou por deficiência – e acabam transformando em nada amistosas as partidas. Nem vale a pena mencioná-los.

Puxando a sardinha para a paixão futebolística digo que , dentre os esportes, só futebol – invenção da China medieval, concepção moderna da Inglaterra e patrimônio artístico 100% brasileiro – é o que mais se parece com a vida - assim como o meu querido teatro nos seus tablados - pela sorte de formas, emoções e improvisos que se dão nele. Por isso se parece tanto com a vida, pois pode ser belo e trágico ao mesmo tempo. O velho Nelson Rodrigues escreveu bastante sobre essa conjugação misteriosa, que para ele assumia feições emocionais tricolores.

Diferentemente, por exemplo, do vôlei, do tênis e até do basquete (este com uma ginga similar à do soccer), o futebol talvez seja o único em que o pequeno e inferior técnicamente pode derrotar o grande e superior. Não que isto não acontecã nos outros esportes, mas é mais difícil. O campo largo e as variáveis de esforço, tática, emoções e catimbas fazem a diferença.
O futebol, então, torna-se um palco do imponderável. Além de que no futebol não se pontua tanto. Por vezes, basta um time fazer o dito "gol feio" de uma cabeçada dividida a partir de um escanteio e, em seguida, fechar-se na marra e na retranca, parando sempre o jogo com faltas para segurar o resultado de um magro porém suado 1 x 0 ; ou acertar um inusitado e belo chute do meio de campo, aos 45 do segundo tempo, encobrindo o goleiro adiantado e fazer 3 x 2 , aquele placar típico de clássico e levar a partida.

Ah, o futebol!



Izak Dahora

sábado, 26 de junho de 2010

A crônica que eu quis escrever há um ano sobre o Rei do Pop e não escrevi.




Tudo acaba. Fim.

Andam dizendo por aí que Michael Jackson não morreu, assim como o foi com Elvis e alguns outros grandes do mundo pop. Para mim ele se foi, sim, como, aliás, todos nós reles mortais, seres perecíveis neste palco da vida, mas que tentamos ao menos – uns pela via do trabalho determinado, outros pelo da fama inócua - aqueles quinze minutinhos mágicos de atenção, por mais pés-no-chão e tímidos que possamos ser.

Mas para isso há que se ter talento, além de uma boa dose de sorte, claro, aquela estrela que brilha. E aquele garoto, mascote dos The Jackson Five, grupo soul surgido em meados dos anos 60, sempre teve. Era "som e fúria", como poderia dizer Falkner, cantando por exemplo Music and me, esbanjando domínio técnico-vocal e um carisma, um magnetismo permanente fora do comum frente ao público, o que segundo muitos, logo rendeu ciúmes e disputas entre os demais integrantes do conjunto, seus irmãos.

Michael – e na minha opinião o do início, especialmente, quando ainda gozava de saúde e vigor físico – entoava uma força estranha, apesar de pueril e frágil, a estremecer quem quer que fosse (independente de cor, credo ou classe social) e que, ironia da vida, era produzida nos guetos dos marginalizados e musicalíssimos negros de Gary, de Harlem... Me emociono sempre que ouço aquela massa vocal carregada de uma expressividade que não se aprende na escola. É muito forte! Apreciando I'll be there, uma nítida canção de amor, amplio seu sentido mais imediato e óbvio, e penso na sociedade americana ainda recém-saída do pós-guerra, nos seus embates por justiça e um maior equilíbrio entre as cores e as raças (lembro de Kennedy, de Luther King...). Mesmo sem ter vivido aquela época. E tudo isso a partir de um menininho cantando "Eu estarei lá". E ele chegou "lá".

Cumpriu-se o fruto de um trabalho máximo de amor à música e exploração que aniquilou sua infância, fazendo de si um adulto que não queria crescer e também o destino de um dos maiores fatos culturais da segunda metade do século XX, um fenômeno internacional.

Uma figura ambivalente, contraditória, como, aliás, a maioria dos grandes artistas. Mas talvez sem controle – e não exclusivamente por sua responsabilidade individual. Michael representava, no meu modo de ver, o que de melhor e de pior há no mundo das celebridades, dos pops, dos vips. Utilizou seu capital de prestígio artístico e financeiro para a filantropia; chegou nas massas com sua arte provocando alegria, unia as pessoas pela voz. Mas também tornou-se vítima e refém de uma fixação consumista – logo ele que era símbolo de uma indústria que nos tenta fazer consumir! ; protagonizou cenas bizarras (como fazer que ia lançar um dos filhos pela janela) e revelou nas suas máscaras e bolhas de oxigênio "prol eterna juventude" que ter dinheiro e fama e ser perseguido por todos não é tão saboroso assim. Até hoje é estranho para mim ver como a sua fisionomia foi sendo modificada (pela vaidade e pela necessidade, é verdade, sofreu queimaduras e problemas dermatológicos) tornando-se cada vez mais débil, de um semblante triste. Tais transformações somente possíveis através da mesma potência tecnológica que produz um grande astro internacional como ele. Foi um gênio fruto do seu tempo. E desafiadoramente paradoxal, como só o ser humano! Michael, a figura que foi adulto e foi criança, branco e negro, masculino e feminino, forte e frágil. Foi de uma ambivalência trágica. 
Um artista de sensibilidade artesanal, mas, ao que parece, que não pode ser  visto como um desvinculado da indústria. Ele tributário e devedor desta. Um artista pós-moderno, diga-se assim, com suas agruras e delícias. Que tal?!


Tudo acaba?

Concluo que não em se tratando de Michael. Sua obra fica pela imensa força com que chega inclusive nas novas gerações. E porque também, é verdade, está inserida numa sociedade que costuma "redescobrir" o valor dos vivos quando mortos. Michael Jackson depois de fazer um esforço hercúleo para realizar uma turnê, a que pretendia, provavelmente, encerrar – se é que é possível encerrar uma trajetória como a sua! - com a merecida dignidade, uma carreira combalida pelo desvio natural e gradativo dos holofotes e por escândalos (ainda muito mais da ordem dos mistérios não de todo desvendados) de ordem pessoal, de repente tem saída repentina no descortinar da morte. Que, segundo os números, têm sido alavanca no seu nome e no seu comprometido (?) patrimônio. É cruel, mas o sistema funciona exatamente assim. Por um lado é ótimo: sua arte tende a ser mais executada.

Pois o seu vigor sonoro, que releu as influências da música negra norte-americana (como reconheceu Michael em James Brown, por exemplo, e na Motown), que promoveu a renovação dos videociples nos anos 80, a transformação do artista num fenômeno audio-visual feérico (que cantava, dançava os "passos da lua" e ainda trazia consigo um singular estilo que incluía roupa brilhosa e luvas, um achado para produtos licenciados) etc, todas essas foram contribuições de Michael Jackson ao mundo pop. E sua existência ajudou definitivamente a moldar o universo do show-bizz, tal como o compreendemos consciente ou inconscientemente.
De modo que a mim não me parece nada estranho enxergá-lo numa mesma galeria que vai de Andy Warhol, Elvis, Madona...Essas figuras, essas marcas que souberam usar – e se permitiram usar! – pela máquina da indústria cultural.

E, ademais, dificílimamente alguém venderá outra vez, neste planeta, algo em torno de 750 milhões de álbuns (e amealhar 13 Gramy) em tempos de reprodução musical à solta pela internet. Até porque a era plena do disco parece estar nos seus últimos estertores e as gravadoras descabelam-se à busca de uma alternativa economicamente viável para si próprias. Haverá que se definir e criar outros níveis e outros parâmetros de aferição e de produção para um grande ícone pop. (Essa mudança está em curso). Suportes tecnológicos para isso não faltam. E, quem sabe, provavelmente, Artistas.

Mas Michael, mesmo com toda as novidades, deverá seguir rei. Porque majestade é posto.


Izak Dahora

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Musa-esfera africana

já rola a bola
já roda o planeta junto com a bola
giram os olhos acompanhando a dança da musa-esfera
e que corpo de mulher por ora mais envolvente que ela?

mais leve que os componentes naturais da atmosfera
mais veloz que o vento quente nas savanas
toma efeito antes mesmo do chute e é drible antecipado
-carrega, indolente e selvagem, o instinto de um continente-
que macho metido a goleiro domina a fêmea africana?

já rola a bola
no campo a luta, rolam arte,desejo, paixão
rola o objeto-móvel invenção e caro aos mercados e corações
                                                                              (de milhões)
rola a bola, já! buliçosa no ar
Jabulani



Izak Dahora

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Saramago, sem firulas, sem lágrimas





Ontem comecei a reler “Ensaio sobre a lucidez”, livro cuja narrativa dá-se a partir de uma imprevisível chuva torrencial, em pleno dia de eleição, que torna supostamente impraticável o exercício do voto. É narrada a perplexidade que as “ruas desertas de chuva”, alagadas, inundadas, nesse tão aguardado dia cívico causam na sociedade e nas instituições – sobretudo na burocracia das classes política e eleitoral. Com esta narrativa de alcance universal e, portanto, parabólica, José Saramago desfia toda a sua capacidade crítica, uma vez mais, e não deixa dúvida de como observou com ironia e severidade a miséria humana e a mediocridade dos nossos sistemas políticos – dos dirigentes e dos votantes, nós.

Quis reler este livro pois percebi que, agora, em ano eleitoral no país, quando no Brasil ficamos todos (todos?) absortos pela Copa do Mundo e falamos mais no “controverso time do Dunga” do que em questões como reforma política, por exemplo. Não que futebol seja algo desprezível, longe disso, sou um apaixonado pela bola.

Mas quando li “Ensaio...” pela primeira vez – e antes deste já havia outro, o do Nobel, e que foi parar anos depois nas telonas - ficava imaginando como seria se um dia fizéssemos, tivéssemos a coragem de simplesmente não votarmos, ainda que impedidos pela intempérie de uma chuva como daquelas do mês de abril passado. Poderíamos demonstrar, assim,  na minha imaginação quase de criança, nossa insatisfação e forçar a existência de novas eleições, quem sabe, provocando alterações maiores na forma demagógica, simplista e estatística com que os políticos nos tratam. 
Achei na ocasião o livro de uma força incrível. Isto, sem adentrar no comentário mais pormenorizado de sua linguagem detalhada, crua e espantosa no sentido da humanidade contida em digressões e, ao mesmo tempo, de uma sintaxe objetiva  e outra, invertida, provavelmente oriunda da lógica "portuguesa com certeza". 
Narrativa escrita sem o recurso dos travessões ou aspas para destacar a vozes dos personagens, o que resulta para mim como vigor do próprio ato de narrar, pois tudo está contido no curso da narração em si, resgatando alguma coisa, possivelmente, da tradição oral das aldeias onde viveu Saramago.(Torna-se , então, desnecessário anunciar as vozes com mais gestos e sinais). Arrisco-me a apontar tal linguagem como reflexo da visão "sem firulas" de Saramago, que não fazia concessões às suas opiniões, mantendo-se, ao mesmo tempo, profunda, aguda e cirúrgica, só mesmo produzida por uma mente lão lógica e quase desumanamente coerente do escritor cético e ateu declarado. Um homem que perseguiu a árdua tarefa de ser lúcido.
Aos poucos, fui tomando conhecimento da postura contundente de Saramago enquanto pensador da sociedade contemporânea quanto ao capitalismo, neoliberalismo, globalização, sua preocupação com a pobreza e a cegueira dos pobres e dos ricos...
Até que no dia seguinte da retomada da releitura do Ensaio sobre a lucidez ou seja, hoje (18/06/10), recebi a notícia da morte de Saramago. Não fiquei arrasado, pois sabia de sua idade e de sua doença, mas é claro que fará falta a presença de uma voz que, mesmo ranzinza e radical certas vezes (com a política, com a língua, com a literatura) era uma voz sem medo. E há muito medo de se ter opinião neste mundo globalizado! Tentei ser cético – como ele seria – diante de sua morte, mas fui um tanto fraco, como é de todo humano, e acabei escrevendo essas palavras. Mas, que fique bem claro, uma forma, na verdade, de nos fazermos lembrar da importância da atividade reflexiva e crítica do indivíduo.

Enfim, querer alguma relação metafísica para eu ter buscado o livro de Saramago na véspera de sua morte – ainda mais em se tratando desse escritor, um cético convicto – seria forçoso. E ele não gostaria disso, como detestaria também, creio eu, quaisquer tipo de lágrimas sobre a inevitabilidade da sua morte e da nossa, que virá um dia.  Digamos que tenha sido coincidência eu ter voltado a sua literatura logo ontem. 
Ou, para afastar-me a frieza da "coincidência", posso ficar aqui com a visão de uma amiga minha que me disse que o mundo está conectado, que vivemos todos numa confluência energética (egrégora) a nos deixar de certo modo unidos. E isto é pura física, não havendo nada, portanto, de transcendente em sensibilizar-se com o que me ocorreu.

Achei interessante a explicação da minha amiga Bruna. Só acrescenteria que se a leitura e o pensamento são também compreendidos como formas de amizade, mais um motivo para estarmos ligados.




Izak Dahora

terça-feira, 15 de junho de 2010

Sonho de trova



Meu sonho é ver meu verso virar canção.
Não lê-lo; ouví-lo, quando neste dia
for surpreendido pela nova possibilidade
de algo que rompeu de mim e eu não percebia.
Quero ser um trovador
Quero ser o que já foi caminhando errante
sobre os caminhos de pedra da Idade Média
embriagado em noite alta.
E gozar de ver meu verso fazer soprar delírios
nos ouvidos da mulher amada.



Izak Dahora


O barraco do pobre
agora caindo à beira da encosta
à beira do caos
era seu carnaval
-embora depois do dilúvio um mero delírio-
mas porque seu
construção da sua criatividade
e improviso.
Era alegoria em cuja poesia nascia o dia em alvorada.


E a visão da beira-mar
que alguém (Nós) disse
não ser o seu lugar
era parte do apartheid sorridente e cordial
produzido no seio de país desigual.


Izak Dahora

domingo, 13 de junho de 2010

Epidérmica (1)


A tua pele é um mapa, uma página.
Repleta de signos, a vontade que irrompe
é tomar o seu corpo e devorar cada sarda.

Gosto da textura da tua pele:
Pele seca, escamosa e àspera.

Tua tez não tem quinze nem vinte
Não traz a tola maciez dos romances de folhetim...
É pele madura, balzaquiana - e ainda assim fresca e jovem.

É já um todo branco e sensível ao calor e à luz, a tua pele,
e que quero proteger no meu contato,
na minha excessiva e excitada melanina,
derramando em leito no teu corpo de leite
minha pele escura e oleosa.

judiando de amor em tua pele judia,
este amor constrastado, claro-escuro, poesia,
desvelo de tuas manchas sárdicas teus enigmas
a mim prometidos em tecitivos manuscritos hebraicos

assim é, para mim, a tua pele:
em cada ponto um pouso, em cada sarda uma faixa apaixonada de Gaza
...e ao centro, ao ponto alto dessa fé de crer em nós,
na flor de teu sexo, onde faço procissão, minha Jerusalém.


(Izak Dahora)