domingo, 17 de agosto de 2008


O céu virou mar.

Caymmi se foi.


Fiquei arrepiado de emoção. A notícia da morte de Caymmi dada por minha mãe na manhã de sábado último, 16/08, fez-me recordar a infância. Isso mesmo! Sou de uma geração de duas décadas apenas diante das mais de noventa do aqui homenageado, mas em minha casa, muito em função de minha mãe, sempre toucou - e muito - Mpb. Lembro-me de que os três primeiros cds comprados, assim que nossa casa recebeu aparelho próprio dos cds - até então, tínhamos apenas um modesto aparelho que só servia para o rádio, e olhe lá! - eram de Caymmi, Elis e Leila Pinheiro. Ali iniciou-se minha paixão pelo nacional, nossa paisagem, nossa gente e nossa cor mestiça, através das das letras e das melodias de nossos poetas gigantes da canção.

E, por alguma força estranha e cósmica, estava eu ouvindo no meu quarto, enquanto fazia uma merecida faxina, Danilo, uma das três heranças do mestre. Nem preciso dizer que sou fã de toda família...E há dias pensava em ouvir as canções de Mestre Dorival...


Caymmi: tão simples e ao mesmo tempo tão essencial! Vital para os baianos! Fundamental na nossa música. Já sucesso na voz de Carmem Miranda. Caymmi cantando "O Que é Que a Baiana Tem" e balançando os olhinhos é divino! Aquele velho doce, de voz aveludada e quente - curiosamente sem perder o frescor e a leveza que lhe trazia o mar de Itapuã. "O mar/Quando quebra na praia/É bonito..."

O mesmo mar em que Caymmi já prenuncia o cenário de "sol, sal e sul" bossa-novista, por meio, não só das letras solares mas, musicalmente falando, das harmonias e acordes simples porém sofisticados. Não à toa, em 1964, "Caymmi Visita Tom", disco referencial da música brasileira, no qual fica provada a riqueza do compositor para os críticos de música que, antes, apedrejavam o velho - só consigo pensar nele velho! Impressionante! Deve ser a sabedoria que emanava... E Caymmi quis ser velho, soube sê-lo, da maneira mais poética e preguiçosa do mundo.


Caymmi fez de Maracangalha a sua Passárgada. Pedacinho de paraíso que os baianos podem, mui legitimamente, reivindicar para si próprios. Mas que também poderia ser Copacabana - a dos anos quarenta e cinqüenta, naturalmente. Ele que ele tanto amou o Rio.

O céu agora ficará ainda mais calmo, como todos nós idealizamos, pois agora conta com a presença carinhosa, sábia e majestoja de Caymmi.

"Eu vou pra Maracangalha, eu vou..."

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Coisas Ciosas

Mas de repente vem um cheiro,
um gosto-desgosto,
um sem-sentido constrangido
que faz finda toda a festa da vida.

e reanimar-se como
diante do mistério da vida
sobrepondo o lado podre de nós?

lado podre
pulsando vida, arfando vontade...

e de repente,
são coisas sutis
que fazem lembrar que em tudo,
na vida,
há o sangue, o fim, a inércia, a fome...
o medo e o desejo
convivendo dentro de um só corpo.

vem
o vômito
a digestão
o cuspe
o excremento
o vazio.
matando beleza.
tragando querer.

finda a beleza.
não há lirismo nisso.

são cios sãos,
são coisas vãs.

angústias e indícios:
a morte lenta
(das pequenas grandes tragédias anunciadas que sempre hão de vir).


Izak Dahora

Em teus braços como nunca dantes

O que é que tu dirias
Se dissesse agora
Que te amo?
Que me amas, em resposta?
Ou a volúpia da caprichosa alma feminina
Omitiria o teu segredo?
Saiba, amor,
Hoje, teu silêncio
É meu degredo.
Mas minha nau
Independente da tua resposta singular
Precisa partir – e rumo a mundos distantes...
Porém, não minto, muito mais feliz
Se, ao meu apreço, consoante
Dentro dela tu fosses.
E então com a fúria de nossa paixão,
Ela, agora nossa nau, muito mais pronta
A vencer moinhos, tormentas, batalhas cruentas...
A cruzar os mares,
Contornar périplos
E atingir enfim a façanha
do nosso Novo Mundo:
um mundo de sonhos e carícias
erguido a suor e sangue do meu, do nosso corpo.
E sendo então a nossa vida assim,
Mastrearia eu flâmulas
com tua face e nome.
À qual vivacidade o mundo em oceano nunca destoa
Meu leme, minha gávea, minha proa.

Izak Dahora

Verso para Daniela

Meu verso para ela
é verso onde ela possa dançar.
Um pedaço de chão repleto de brilho.
Assim é a teia de palavra, poesia
na qual ela possa lançar-se, cair.

Meu verso,
Porque seu rosto fora desenhado
senão para ela sorrir,
O pranto não admite:

É só corpo valsando tema não triste

Allegro, Allegreto
Vivace, Minuetto
Prestíssimo, talvez – ma non tropo

fazendo do poema, dela refúgio,
uma fuga, uma rapsódia
uma canção.

A necessidade de beleza dela
que ora aqui impera
cura o poeta,

o mesmo que, estendendo o poema feito um tapete,
sobre o qual além dela bailar distintamente
possa ela mais que simplesmente caminhar...
possa existir, possa viver...

Meu verso para ela – Daniela -
é verso onde possa dançar
atuar
representar (o seu papel)
com sua pele macia
e seus pés delicados
tal qual bailarina.

Izak Dahora

domingo, 10 de agosto de 2008

Cômodos (sem modos/ cem “comos”)

Meu quarto, meu campo de batalha,
Onde deito, durmo e sonho, amanheço e vou à luta,
Colcha-de-retalhos,
Interior dentro do qual cada átomo de ar
é vestígio e sombra de um papel qualquer picado, revoado.

Pilhas volumosas de jornais, calhamaços,
anotações de guardanapos, poeira fina, culta e
alérgica de papéis já amarelados.

Lugar onde me sei e me acho,
Bagunça organizada de minha criação caótica,
Poder paralelo...sou Deus!
Onde faço da doce alcova branca
paredes tintas, sujas e repletas, contemporâneas...
Um todo lar - apertado porém.

É sala, cozinha, varanda, banheiro, quintal...
Torrente dos modos que brotam de mim, abissal.
Teatralidade dos gestos que concretizam as minhas idéias
É palco, é piração, é representação – e sem público pagante.

Quarto-escritório, zona de manifestação do eu vagante,
Território de concentração, nicho, um canto de guerra meu!
Ante-sala, anti-sanidade,
lençol, verso e cama... toda poesia que há na vulgaridade,
orgia intelectual

Todos os cômodos;
todos os modos;
todos os “comos”;
os cômodos sem modos.

Onde haverá sempre o que fazer e por fazer,
estúdio, ateliê.
Área microscópica e antenada, microcosmo do mundo.

Verdadeiro muquifo abandonado
este meu poema quarto-e-sala, conjugado.
Conjugado de lembranças, sustentado por projetos,
permeado de esperanças.

A “casa” é minha.
O poema é meu.

sábado, 9 de agosto de 2008

Vida Viável



Aprofundar a vida
Penetrá-la cortante e sair dela
Ir
Ir até além
Até além infinito


E não precisar voltar.
Passagem sem regresso;
Carma sem reencarno.


A vida solo e entregue como a agulha
que pede para ser antes mirada no escuro – mas não sem convicção -
para então - depois de conduzida ao bordado iniciado do tecido curto do tempo - aprofundada,
atando ponto firme em cada lugar, amigo, amante;
vida deliberadamente errante,
que por entender não ser ciência exata a Vida,
acerta ao optar pelos momentos da indizível emoção e pela dor do impacto.
E tudo sem precisar ser Baco!
Mas como forma de deixar os rastros
no sentir do gozo legítimo do corpo e da alma...


Vida com vontade de fazer,
Vida que desatina sem ter medo de doer.
A vida sem precisar prestar satisfação, simples por ter sido ela honesta
e por ter feito de cada criatura um irmão.


Vida que o Destino, admirado, não refuta nem ousa dizer “não”.
Vida única, sem replay, do “quem viver verá”, do espetáculo que morre a cada noite
e qual flor, qual ave-Fênix, renasce majestosa na manhã seguinte.
A vida em via tortuosa de desesperados que, acima de tudo, amam viver.


Izak Dahora

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Estando




Estou vagando
Estou vagaroso
Estou vagabundo


Estou desleixado
Estou vacilante
Estou contencioso
Estou preguiçoso


Estou...


Estou indo...
e só...

Estou precisando dar um tempo.