sábado, 6 de agosto de 2011

Baudelaire

"O que não é ligeiramente disforme parece insensível - donde decorre que a irregularidade, isto é, o inesperado, a surpresa, o espanto sejam uma parte essencial da característica da beleza. O Belo sempre é estranho."


                                                (Baudelaire, poeta francês - extraído da introdução de "Ler o teatro contemporâneo", de Jean-Pierre Ryngaert).

Ítalo - ou a morte de um ator cuja história é parte da evolução do teatro brasileiro moderno.



Uma voz marcante, uma máscara facial e movimentos econômicos mas que poderiam carregar nas tintas para uma comédia mais desabrida, caso fosse necessário.

Mais do que ter podido acompanhar a carreira teatral de Ítalo, comprovei sua importância de Ator emblemátco nos compêndios sobre a evolução e a modernização do teatro brasileiro. Seu nome e sua imagem são figuras que não podem faltar a qualquer livro que se arvore a acompanhar a trajetória dos nossos palcos dos anos cinquenta para cá.

Egresso do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) do industrial paulista e mecenas Franco Zampari (donde vieram também Cacilda, Cleide, Maria della Costa, Walmor Chagas, Fernanda, Sérgio, Tônia Carrero, Paulo Autran, e muitos outros deuses deste olimpo teatral), Ítalo fez parte de uma geração que pavimentou o caminho para que hoje pudéssemos ser atores mais dignos nesse país (não consigo me furtar da voz de ator nessa pequena homenagem).

Até então, nossos palcos eram predominantemente ocupados por iniciativas centradas no personalismo e no carisma de alguns atores e empresários, talentosos e importantes para nossa produção como Leopoldo Fróes e Procópio Ferreira, mas que não ousaram a ponto de engajarem-se num projeto mais ambicioso artísticamente e que colocasse o Brasil na atualidade do que então se fazia mundo afora. Foi com a geração de Ítalo que começamos a ver desde o TBC e passando pelo seu Teatro do Sete, por exemplo, (companhia sua com Sérgio, Fernando e Fernanda) repertórios que mesclavam num sentido sistemático, as peças de vaudeville ou boulevard de um Feydeau, de mais proximidade com as necessidades comerciais de toda companhia até autores como Bernard Shaw e Pirandelo, para citar dois. Colocação em prática de novos projetos de encenação fundados numa dramaturgia mais densa e consistente, de complexidades filosóficas e psicológicas a exigirem estudo minucioso de diretores e atores. Não havia mais espaço para o ponto (alguém que soprava o texto de dentro de um cadafalso) e nem para o caco (improviso a fim de "ganhar" a plateia normalmente com piadas e maneirismos imediatos.

Ítalo e sua geração participaram ainda do Grande Teatro Tupi, movimento pioneiro que buscava descobrir uma linguagem televisiva nos primórdios do veículo, levando ao público peças de autores fundamentais como Shakespeare, Eugene O'Neill, Arthur Miller e Tenessee Williams, e ao vivo.

Pela vinculação de seus pares e contemporâneos a um teatro que buscou sua base no texto dramático, intacto das interferências vaidosas dos intérpretes, Ítalo esteve íntimo da palavra e fez uso dela com sofisticação e maestria. Nesta entrevista que se segue, concedida a Geneton Moraes Neto pode-se perceber como que o grande ator enfatiza aquelas palavras que vê com mais necessidade de impacto, de um modo teatral e sincero.

Um ator "cerebral, cerebrino" - precisa e bela definição da crítica Tania Brandão em O Globo de 4/8 - e que nos emocionava pela maneira (moderna) de expressar-se permitindo o bailado do pensamento, das ideias e das palavras em sua face limpa, econômica, sucinta.

Grandes atores e personalidades como Ítalo não morrem. Vivem, insistem na lembrança.


Izak Dahora