Creio que o primeiro lugar a me mostrar a importância da simplicidade no teatro foi o Tablado. Sua mentora e realizadora Maria Clara Machado plantou a semente que dá frutos a olhos vistos já há muito tempo – em 2011 faz sessenta anos. São diversas as gerações de atores que se formam naquela escola, situada na rua Lineu de Paula Machado – não esqueço! -, que se orgulha de não ser profissionalizante, e sim amadora, com tudo que esta palavra tem direito, inclusive o amor, contido no radical da palavra.
Eu saía de São Gonçalo para o Jardim Botânico, onde fica o Tablado, pegava três conduções para ir e mais três para voltar, atravessava a Baía de Guanabara. Devia ter meus dezesseis anos. Ía disposto, retornava cansado tamanha a distância entre casa e teatro.
O Tablado era algo tão distante para mim, do ponto de vista geográfico, e também do sócio-cultural, que lembro que no início achava que jamais conseguiria me enturmar com aquela galera da Zona Sul. Hoje ainda continuo mais para suburbano do que qualquer outra coisa – por convicção -, porém aquela galera que frequentava as aulas da professora Bia Junqueira às cinco da tarde daquelas segunda-feiras me ensinou coisas valiosas. E a maior delas foi a ser mais simples para o trato com o palco, um aprendizado para a vida toda. Pois fazer teatro é ter um corpo sobre um palco diante de um público. Daí já se pode ter espetáculo, porque isso é, na verdade, o teatro. O quem vêm para além disso já é acessório. Fazer teatro é pisar descalço no chão e sentir a força que vem do centro da Terra; é permitir-se ao encontro com o outro no suor e na saliva, como diz Fernanda Montenegro; é questionar-se a todo momento (como cacoete de ofício) acerca das indagações infindas que um intérprete tem que se fazer para elaborar uma personalidade específica (que é o personagem)...e perceber que para isso precisa questionar a sua própria visão e conduta diante do mundo e da pessoas.
Sem esse despojamento, sem essa disponibilidade e entrega não há teatro, não há arte, aliás.
Sempre que a gente pesa demais, "sofistica" e até "eruditiza" demais pensando alcançar uma profundidade fica mais distante a interação clara, que envolve as pessoas, a começar pela própria trupe em cena, porque o teatro funciona quando é feito junto e quando há um equilíbrio e uma divisão generosa entre o que se pensa e o que se sente e quem faz o quê, caso contrário o que se assiste é a cenas lamentáveis de narcisismo.
A linguagem dos grandes artistas e criadores costumam mesmo carregar simplicidade, que parece ser a senha do infinito mundo de sonhos, ideias e valores contidos na arte.
No Tablado tive a oportunidade de ver e conhecer algumas pessoas ricas – sem meias palavras - com um comportamento absolutamente simples, humilde e devotado ao fazer teatro. Nesse momento o preconceito de suburbano receoso de ser destratado pela elite que eu tinha foi por terra – ainda que o Tablado seja um escola muito integrada a um universo Zona Sul de ser: extensão de amizades familiares, continuação de jogos no play dos condomínios do bairro ou das praias do Leblon e de Ipanema e da Lagoa.
Talvez mais do que teatro ou profundidade estética, simplicidade tenha sido e seja o que de melhor o Tablado proporcionu e proporciona à formação de jovens de diferentes gerações. Eu me sinto orgulhoso de hoje ver que passei por aquela escola, por aquele tablado.
Obs.: Neste carnaval, as obras de Maria Clara são enredo da Unidos do Porto da Pedra, outra escola que faz parte da minha história. Falarei mais dessa ligação nos próximos textos. Por ora digo que, com muita alegria e disposição, sairei no último carro alegórico do desfile da Porto, escola de São Gonçalo, onde nasci e fui criado – no bairro do Porto da Pedra. No carro sobre "O cavalinho azul", história singela sobre o poder da imaginação e da esperança que existe na criança – e de modo tão supreendentemente simples!
Izak Dahora