terça-feira, 27 de julho de 2010

Ainda sobre a saudade...


... (a voz embarga)   ...


"Certos mitos são efêmeros". Me auto-refiro pois com essa frase inicio um poema (postado no último dia 8) que nasceu de um estranho sentimento de vazio que me acompanha há muito, e que está longe de ser uma exclusividade minha. Quem não sente a lacuna da ausência em vida de alguém que nos marca? No caso dos grandes artistas, escritores ou personalidades, talvez isso seja até mais forte, porque embora não compartilhemos com esses mitos o sangue, esses se tornam íntimos pela forma como marcam as nossas vidas através do seu pensamento, da sua visão, do seu gesto.
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Trabalhar na minha mente a saudade de artistas – muitos dos quais partiram antes mesmo de eu vir ao mundo – me surpreende a cada vez que penso no assunto e me intriga. Como resolver a falta que uma Elis Regina desperta, insuperável na força e no brilho de sua voz? Como manter o tom ante a arquitetura simples e sofisticada da música de Antonio Carlos Jobim? Ou ante Gonzaguinha, contundente e de uma integridade humana ímpar?
Outros muitos que não vivi seus tempos e ainda assim me formam como ser humano e artista: Vianinha (que um dia o veterano e querido Flávio Migliaccio me disse que o dramaturgo, seu grande colega dos tempos de CPC e Teatro de Arena, parecia tanto saber que iria morrer cedo, que por isso trabalhava ardorosamente por um país melhor através do teatro); ou  o próprio vulto de Cacilda Becker, que atou no palco entregando a vida por uma expressão profundamente humana das personagens e fora do mesmo pela modernização do nosso teatro, naqueles anos quarenta e cinquenta ainda demasiado amador. Cacilda, após enfarte, morreu praticamente no palco "Esperando Godot", sua última peça. Dedicação extrema que Paulo Autran também comprovou a vida inteira, desfechando-a quando saiu do palco direto para o hospital e lá durar uns poucos meses antes de morrer.

E Oscarito, e Grande Otelo, tantos...e ao mesmo tempo tão poucos...
Volta e meia me pergunto: como encarar uma corrida automobilística hoje sem evocar Ayrton Sena, que me reporta à primeira infância quando o assistia correndo pela tv ao mesmo tempo que comia geleia de mocotó com farinha láctea nas manhãs de domingo? A morte de Ayrton é emblema de como essas figuras normalmente saem de nossas vidas subitamente, ou mesmo fatidicamente.

Mas no fundo penso que esses mitos não poderiam (nem podem) viver muito. É muita carga emcocional, intensidade de paixão... Imaginemos um Vinícius (de Moraes) hoje com cem anos de idade, sem poder sair de cama a contemplar as garotas de Ipanema, a amizade, a boemia e a vida que expressou tão bem em verso e canção? Seria até injusto! Por isso intuo, cá, auxiliado pelo meu lado que respira o mistéirio das coisas, "invisível mas presente" que todos esses que citei e todos os outros de que você lembra agora ao ler esse texto são como seres de um outro planeta, uma outra galáxia talvez, que vem aqui nos deixar alguns recadinhos importantes e partem de volta para onde vieram ou para onde não sei. Mas o legado deixado pelos que vivem a vida intensamente fica e inspira.  
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O mito é tão grande que nos lembra que também nele há o frágil, o breve:

O mytho é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mytho brilhante e mudo - 
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.
...
                    (Fernando Pessoa)


Izak Dahora

segunda-feira, 19 de julho de 2010

A cinergética do mito

Certos mitos são efêmeros.
Passam por nós com a fugacidade de um cometa,
vivem como que dez anos a mil
e deixam a todos na mais vasta orfandade:
todos uma legião de séquios
a chamar Humanidade.

Mas para isso – a falta
dotou Deus o homem da memória
para a contemplação eterna do grande,
para a saudade desmesurada e infinita
de mesmo quem ao mito não assistiu.

Seres que elevam a alma do mundo.
Seres que numa encruzilhada de entantos e entretantos,
desvelam suas vidas em entreatos
meros hiatos que o Destino, tirano e trágico,
traga para um fundo silencioso
e opaco de mistério.


E para o cumprimento da tarefa hostil
que é, por vezes, viver,
restou a fé
– paz exclusiva aos de corações desarmados,
estranha e mágica energia de crer 
na força desses Invisíveis presentes.


Izak Dahora – 04/07.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Olho gordo

Danaram-se todas as sortes:
- Dei mal jeito no pé direito!

Não me valeram os búzios e os astros
mantras, mães-de-santo, cartomantes,
ou o horóscopo que lera pela manhã.

Fui à rua e dei uma topada naquela pedra de Drummond:
enquisilada, fundamental e mesma no meio do meu caminho.

E quiçá mais incômoda que a própria topada,
sua arte bruta de gerar perguntas, refinada,
fez-me indagar como, quando e por que.

Remover os sedimentos do enigma,
grão de mistério, monolito – a tarefa!
- O que me moveu, e interrompeu, hoje
foram trabalhos e mandingas de contrários!

Ou não
quem sabe antes conspiração de um ser-razão
a fazer-me repensar a vida no giro de um segundo
a fazer-me ser mais leve, enxergar a vida, simples.

uma pedra
e nada mais.



Izak Dahora

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A eliminação da seleção e uma modesta reflexão – o que, de repente, pode servir de aprendizado.




Por ser daqueles que partilham da opinião de que resultado de jogo não muito se deve discutir - este se impõem unindo competência e certa dose de sorte do vencedor – digo que não devemos lamentar a derrota da nossa seleção frente à Holanda na sexta-feira passada. E digo também que esta é a minha segunda e última crônica sobre a atual edição da Copa do Mundo. Caso eu me auto-desminta, encantado pelo espetáculo possível uma renovada e consistente  taticamente Alemanha ou de uma Espanha refinada no seu toque de bola e outros, por favor não me leve a mal, sou uma "metamorfose ambulante".

Mas não devemos lamentar a derrota até porque – e este até porque é que é o motivo desta crônica – nosso time sempre dera indícios de limitação técnica. Penso que o problema da Era Dunga foi ter-se valido e respaldado na máxima de que "em time que está ganhando não se mexe". E, talvez, não se mexa mesmo! Contudo, ficou mais do que provado que nem sempre resultado e números positivos são acompanhados de qualidade e persuasão. Pois nosso time em todas as eliminatórias – para não ir muito longe – em, exceto as partidas contra a grande rival Argentina, jamais fez o que se pode chamar de apresentação convincente do primeiro ao último minuto de partida.

Sempre aquela aplicação defensiva – que para mim disfarçava um imenso medo de perder -, aquele jogo amarrado que por vezes atingia o nível do violento avalizado pelo treinador (todos viram os seus rompantes na última partida junto aos de um grupo nervoso e de um certo volante expulso cravando as travas da chuteira no adversário). Enfim, um tipo de jogo brucutu que venceu Copa América e Copa das Confederações, mas a primeira, como seu nome já diz, é apenas um microcosmo de Copa, e a segunda não conta com todos os craques, que fazem charminho e são pressionados a servirem os clubes, os quais, aliás, pagam os seus salários e o leite das crianças. Por causa dessas vitórias jamais comparáveis a uma Copa do Mundo, o time do Dunga (dele mesmo, pois reflexo de uma visão fechada e não-consensual, como pede o cargo) ganhou a pecha de "competitivo". Bastou enfrentar a Holanda para vermos o nível de competitividade de uma equipe que durante as eliminatórias empatou três vezes em casa e por zero a zero, para times como o da Bolívia, que nem foi para o mundial.

Enfim, não acho que seja certo agora procurar culpados, até porque culpar alguém é muito feio e nada ético - como me ensinou uma vez minha mãezinha. Por isso acho que a falha de Júlio César (o melhor do mundo na posição golpeado pelo destinoso erro que um dia aparece para todos nós) e as botinadas de Felipe Melo e cia devem ser relevadas. Era o que tínhamos e eles deram o sangue. O que nos prejudicou mesmo foi, de fato, uma visão centralizadora e que radicalizou ao exagerar em "comprometimento" (termo-chave usado pelo já ex-treinador) a fim de não repetirmos o (outro) fracasso de 2006, quando houve imenso oba oba e desleixo de jogadores e comissão técnica em reuniões festivas demasiado animadas na concentração.

Dunga pode discordar de mim, mas creio que o que faltou foi aquela destreza de um Messi ou de um Romário de que já falei neste espaço (esta crônica dialoga francamente com a anterior). Schiller, filósofo fundamental do chamado Idealismo alemão (século XVIII) e do romantismo (século XIX), ao invocar a necessidade de uma capacidade criadora/criativa do homem que o individualize e liberte, ideal reforçado pelas consequências da Revolução Francesa, disse que "o homem só é homem quando brinca" (ou quando "joga", aí dependendo do rigor da tradução). E isso é genial porque demonstra que um grupo forte não precisa ser uma corpo militarizado, que faça tudo igual, muito obediente e austero. Ele faz-se também das individualidades, das irreverências, das "maluquices", dos desequilíbrios dos gênios criadores. Senão, torna-se tudo uma massa pasteurizada do mesmo. Este foi o problema, nosso comando não admitiu o diferente, o exatamente diverso de um modelo que o nosso treinador seguiu quando jogador. Dunga foi egoísta. (Embora a meu ver, certos jogadores descompromissados e acima do peso não merecessem mesmo ser convocados).

Perder todo mundo pode perder. Poderíamos ter saído nas mesmas quartas-de-final para o bom time dos "laranjas", mas nosso time foi burocrático e previsível desde a sua estreia contra a Coreia do Norte de quem, com todo respeito, conseguimos sofrer um gol. Confesso que nossas partidas me tiraram o ânimo de torcer e de ter aquele velho otimismo patriota.

O fracasso de nossa seleção serve de exemplo para as nossas vidas. "Esse cara pirou", você deve estar dizendo aí. Mas creio que serve de exemplo, sim. Não como forma de eternizar a figura de Dunga como um carrasco de nós mesmos, mas para que percebamos o jogo da bola (e o jogo da vida) como algo que pede ousadia, exposição ao erro e que ficar na defensiva não parece ser uma boa, para nada, aliás. Se se perder, fazer o quê? Contingência, porém façamos com prazer e risco. (Olha o "futebol-metáfora da vida" da outra crônica de novo!)

Talvez nosso fiasco na Copa da África - aliás, bom foi assistir a este continente dando provas da sua real capacidade de organização, quebrando preconceitos imutáveis, e espiritualmente embebida das forças do pacifismo de Mandela e de sua rica ancestralidade materializada nos decibéis da vuvuzela  - tenha servido para ganharmos essa consciência do riso, além da ciência de que nosso futebol têm decaído sensivelmente nos últimos anos, já não se trata mais de uma estrela solitária no firmamento e que este é mais um vexame a somar-se às copas de 98 e de 2006. Serve para ficar atento e não se iludir demais também! Dito isso, um jogo é apenas um jogo – um dia se vence e outro dia se perde. 

Voltemos às nossas rotinas! Ano eleitoral. E chega de feriado!




Izak Dahora