domingo, 24 de janeiro de 2010

Notas de um país se rumo; um caos que desvela outro caos.

Uma das notícias do jornal de hoje me desola. Não bastasse a fama inglória e atroz de ser o país mais pobre das Américas, o Haiti é assolado por um catastrófico terremoto. Mas até aí "tudo bem", causticamente se poderia dizer, afinal, o que houve por lá, região já massacrada historicamente por embargos econômicos sobre a revolução negra que  lá se fez - muito antes do Brasil, aliás - e por ditaduras políticas internas, foi da ordem da tragédia, e tragédia não se discute, sofre-se e reconsrói-se dela.

O que realmente causou-me desalento foi ler a notícia de que grande parte da mão-de-obra haitiana especializada para a assistência de situações por que o país hoje vive morreu; que 85% dos seus universitários - num país altamente marcado pela pobreza e pelo analfabetismo - encontram-se, de fato, em outros países; que, provavelmente, nunca se saiba ao certo quantos se perderam nesse cataclisma; isso somado à ciência de que algo em torno de 70% do país, na sua infra-estrutura, foi ao chão.

Diante de um país, cuja sede de governo literalmente foi desmoronada, vê-se um Haiti, apesar dos esforços internacionais e da triste impotência de seu presidente René Préval, acéfalo, pelo menos no plano simbólico das suas instituições - e da sua identidade e alto estima. As cenas de disputa por comida são terríveis para a condição humana.

(No entanto, cultivo aqui a fé de que aquele otimismo e aquela alegria estranha do povo vindo de África, que sempre sofreu, mas sempre demonstrou uma capacidade de superação desconcertante nas entoos de seus cantos e danças, voltarão).

O que dói mais fundo mesmo é a constatação de que, além do cenário de destruição, o pouco de know-how formal por lá produzido até então, de escola, de educação, de universidades existentes, em função do isolamento e embargo histórico, da pobreza e das ditaduras locais , foi subtraído (ainda mais) pela tragédia.



É óbvio que o Haiti precisará de muito apoio da comunidade internacional para que estas cores reencontrem um sentido de esperança. Uma das muitas estimativas por ora feitas aponta para daqui a quinze anos a reconstrução do que agora se vê destruído. É muito tempo! O tempo de uma geração a mais a comungar da miséria, do sofrimento, e, provavelmente, da falta de perspectiva haitiana.

Há cerca de dois dias a imagem de uma senhora de mais de oitenta anos sendo resgatada, ferida e esquálida, me incomodavam. Mas talvez algo me angustie e incomode ainda mais: que precisemos de terremotos como esse para perceber que mesmo antes disso há um outro tipo de caos e de abalo, o da pobreza e da miséria que desertificam, desnutrem e deixam esquálidos seres humanos - os que sofrem e os que oprimem.

                                                                                  (Izak Dahora)

3 comentários:

CECILIA RANGEL disse...

O que mais me dói é o sentimento de impotência que a gente experimenta diante de tudo isso. É saber que precisamos de autoridades que trabalhem pela recuperação da dignidade humana.

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

O caos e a miséria fazem parte da história desse povo. Perdão da dívida externa não passa de jogada política, solução para "inglês ver". Esses que tentam com muita dor e sofrimento manter o restante de sua cultura e em meio a desgraça ainda entoam cânticos em busca de esperança e quiçá uma resposta divina. Tirando o fato claro de que DEUS não tem culpa nenhuma em meio a arrogância humana.

Fernando S. Azevedo