Uma das notícias do jornal de hoje me desola. Não bastasse a fama inglória e atroz de ser o país mais pobre das Américas, o Haiti é assolado por um catastrófico terremoto. Mas até aí "tudo bem", causticamente se poderia dizer, afinal, o que houve por lá, região já massacrada historicamente por embargos econômicos sobre a revolução negra que lá se fez - muito antes do Brasil, aliás - e por ditaduras políticas internas, foi da ordem da tragédia, e tragédia não se discute, sofre-se e reconsrói-se dela.
O que realmente causou-me desalento foi ler a notícia de que grande parte da mão-de-obra haitiana especializada para a assistência de situações por que o país hoje vive morreu; que 85% dos seus universitários - num país altamente marcado pela pobreza e pelo analfabetismo - encontram-se, de fato, em outros países; que, provavelmente, nunca se saiba ao certo quantos se perderam nesse cataclisma; isso somado à ciência de que algo em torno de 70% do país, na sua infra-estrutura, foi ao chão.
Diante de um país, cuja sede de governo literalmente foi desmoronada, vê-se um Haiti, apesar dos esforços internacionais e da triste impotência de seu presidente René Préval, acéfalo, pelo menos no plano simbólico das suas instituições - e da sua identidade e alto estima. As cenas de disputa por comida são terríveis para a condição humana.
(No entanto, cultivo aqui a fé de que aquele otimismo e aquela alegria estranha do povo vindo de África, que sempre sofreu, mas sempre demonstrou uma capacidade de superação desconcertante nas entoos de seus cantos e danças, voltarão).
O que dói mais fundo mesmo é a constatação de que, além do cenário de destruição, o pouco de know-how formal por lá produzido até então, de escola, de educação, de universidades existentes, em função do isolamento e embargo histórico, da pobreza e das ditaduras locais , foi subtraído (ainda mais) pela tragédia.
É óbvio que o Haiti precisará de muito apoio da comunidade internacional para que estas cores reencontrem um sentido de esperança. Uma das muitas estimativas por ora feitas aponta para daqui a quinze anos a reconstrução do que agora se vê destruído. É muito tempo! O tempo de uma geração a mais a comungar da miséria, do sofrimento, e, provavelmente, da falta de perspectiva haitiana.
Há cerca de dois dias a imagem de uma senhora de mais de oitenta anos sendo resgatada, ferida e esquálida, me incomodavam. Mas talvez algo me angustie e incomode ainda mais: que precisemos de terremotos como esse para perceber que mesmo antes disso há um outro tipo de caos e de abalo, o da pobreza e da miséria que desertificam, desnutrem e deixam esquálidos seres humanos - os que sofrem e os que oprimem.
(Izak Dahora)
destinado à escrita poética que se estende em reflexões sobre arte e cultura, além de divagações e pensamentos sobre projetos artísticos pessoais
domingo, 24 de janeiro de 2010
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
Excerto de entrevista!
"Tudo é útil. Quem quer escrever tem que se sentir bem escrevendo, tem que tolerar a solidão, ter intimidade com as palavras, merecer a amizade delas, ter um bom acervo de vida — de observação ou de imaginação. Tem que ser inquieto, curioso — o preguiçoso se esvazia rápido. A literatura, claro, é fundamental. Assim como o cinema e o teatro. Uma leitura profunda de Shakespeare vale mais que duzentos cursos. Dramaturgo brasileiro não pode viver sem Nelson Rodrigues, e assim por diante. Se quiser escrever para televisão e cinema tem que saber como os filmes e programas são produzidos. Cursos específicos são bons porque orientam os primeiros passos e é onde o estudante pode entrar em contato com os roteiros de cinema, de televisão, capítulos de novela etc. — que em geral, não estão à venda nas livrarias. Quanto mais se freqüenta a linguagem para a qual se vai escrever, melhor. E, finalmente, é bom viver a própria vida com ênfase. Para, acima de tudo, ter o que dizer."
(Denise Bandeira, roteirista, atriz e diretora. Entrevista feita para o Jornal Plástico Bolha)
domingo, 10 de janeiro de 2010
Grande atriz!
"O teatro me resgata de momentos difíceis. Posso não acertar em certas peças, mas o trabalho me dá um norte na vida".
(Renata Sorrah, em entrevista ao Jornal do Brasil, em 10/01/2010)
Intensa, dona de extensa e admirável carreira no teatro e na televisão, esta atriz tem o meu respeito pelo talento excepcional e especialmente pelas escolhas, parcerias e repertório nos palcos. No dia 15 próximo, Renata, que já foi Medéia, Mary Stuart, Antígona e Ismênia, entre tantas outras mulheres de extrema densidade, estreia no Rio sua mais nova empreitada teatral: Lady, de "Macbeth", do grande Shakespeare.
E eu que não sou tolo nem nada, não deixarei de assistir a essa grande atriz mais uma vez!
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
Feliz 2010!
Jamais, em qualquer época próxima da virada de ano - seja antes ou depois do calor da passagem, do rito, dos fogos - deixo de pensar num determinado poema de Drummond. Sua obra, aliás, é mais que presente em minha vida. Drummond é o que costumo chamar de "poeta pés-no-chão", moderno (e modernista!), que abandona a rima pela rima do verso ornamental, que abraça a visão crua e até pessimista da vida, e ainda assim nos encanta e demonstra beleza. A beleza dos olhos lúcidos, objetivos na sua subjetividade e poético.
Feliz 2010 para todos nos versos de Drummond!
RECEITA DE ANO NOVO
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
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