domingo, 3 de maio de 2009

Pensar grande!


Morreu na madrugada deste sábado, 02/05, o homem, ou melhor, o cidadão que, talvez, melhor viu o teatro a paritr do Braisl como ferramenta de transformação pelo homem do seu meio social.

É claro que tivemos diversas outras pessoas engajadas com a ideologia e com o teatro, mas é que Boal sempre foi incansável, preparou-se da melhor maneira para isso, formou-se e desenvolveu-se intelectualmente em refletir sobre isso que todo mundo finge não ver que é o caos e a alienação social do homem, mesmo quando as circunstâncias não lhe foram favoráveis. Perseguido, torturado e exilado, passou pela Argentina (também obscura politicamente), chegou aos Estados Unidos para, felizmente, aprofundar-se em dramaturgia ao invés de engenharia química, e, em seguida, viveu na França o apogeu de sua criação cem por cento brasileira, o Teatro do Oprimido, porque gestada especialmente a partir dos conflitos da nossa terra, terceiro-mundo, a partir da experiência de opressão dos nossos dirigentes e da nossa mediocridade.

Boal foi grande porque pensou grande! Acreditou no teatro. E o que todos nós podemos fazer em homenagem a ele, agora, é trabalharmos, muito, sermos incansáveis - especialmente nós, militantes da arte do teatro, pois fazer teatro profundo, reflexivo e crítico é cada vez mais um ato de resistência, em tempos em que é mais fácil ceder ao consumismo barato e à alienação (ou omissão) de que existe a África, de que existe a Ásia, de que existe o Brasil e tantos mais (imersos na fome e na miséria) da forma que existem.

Nunca vou me esquecer da leitura de Revolução na América do Sul. Nunca vou me esquecer da importância dada pelo teórico Boal num de seus textos à contradição no trabalho do ator - pois toda situação e mesmo todo personagem profundo tem mais de um lado e mais de um interesse, já mostrava Brecht...

No fundo, acho que Boal recebeu em vida aquilo que seu grande trabalho merecia - reconhecimento de grandes entidades especializadas, prestígio intelectual e artístico etc etc etc. Mas o fato de a maior parte do Brasil não saber quem foi Augusto Boal me angustia, pois vejo a alienação e a escravidão persistirem. Saber quem ele foi e quais foram suas ideias é mais do que concordar política e esteticamente com ele. O Brasil precisa merecer o Boal! (Parafraseio Caetano quando este falou da Bossa Nova). Que ironia: não saber quem foi este pensador do teatro e do mundo é repetir a atitude ignorante do protagonista de sua peça acima citada (Revolução...). Que loucura, a peça, depois de quarenta anos, continua tristemente atual e faz de seu autor sua própria vítima, seu oprimido, seu invisível - não que Boal se incomodásse com isso. O problema é do país.

Morreu o maior teórico teatral brasileiro com projeção mundial; um homem que pensou grande o teatro e as suas possibilidades de colaborar com a sociedade. Morreu o homem que acreditou que a liberdade o homem só conquista com consciência dos fatos e ação - isto chama cidadania! Morreu o cara que transformou a mediocridade do mundo em conhecimento e instrumentos profundos.

Lembro-me agora de "Meu caro amigo", canção de Chico Buarque e Francis Hime, cuja letra mandava notícias do Brasil dos anos de chumbo a quem ("meu caro amigo", identidade oculta na canção) fui descobrir depois que era Boal exilado. Chico fez a canção e a enviou numa fita-cassete para o exterior - rumo ao amigo.

"Meu caro amigo me perdoe, por favor, se não lhe faço uma visita...mas o que eu quero lhe dizer é que a coisa aqui "tá" preta..."

sábado, 3 de janeiro de 2009

Ano Novo drummondiano!!

RECEITA DE ANO NOVO

Para você ganhar belíssimo
Ano Novocor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novoaté no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?passa telegrama?).
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditarque por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mude
me seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começandopelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano novoque mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.